O interrogAção é o tradutor oficial das HQs do Stuart McMillen.
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Três Dedos: Um Escândalo Animado (2009), de Rich Koslowski | HQ
Quando éramos crianças, corríamos para o sofá (ou cadeira) com o intuito de assistir aos desenhos animados que envolviam personagens-animais, tais como Taz, Pernalonga, Tom, Jerry, Mickey, entre outros. Mas o que não sabíamos acaba de ser revelado na obra “Três Dedos: Um escândalo Animado” (2009), de Rich Koslowski.
O que muitos críticos acusam como um trabalho vazio ou uma “leitura parodística do mundo encantado dos desenhos” reflete uma tentativa para silenciar a gravidade no interior do escândalo exposto neste livro.
Em forma de HQ-Documentário, Rich investiga os bastidores da indústria cinematográfica hollywoodiana através de um levantamento detalhado que nos mostra seu surgimento, desde o fim do cinema primitivo nos Estados Unidos.
Nesse contexto, o leitor conhece a vida do cineasta Dizzy Walters, fundador do “cinema animado” ocidental. Com uma trajetória de vida marcada por crises e sucessos, Rich aponta que o grande diferencial de Dizzy deu-se na coragem de retirar do submundo, os artistas – que, por serem “desenhos animados” — eram demonizados pela sociedade tradicionalista norte-americana.
Rich Koslowski Vivendo uma fase sombria, “ele começou a freqüentar partes cada vez mais perigosas e pouco recomendadas da cidade, até que finalmente, uma noite, encontrou-se vagando (…) pela ‘Animalândia’” e conheceu – tocando numa boate escondida — o ratinho Rickey”. Esse encontro muda toda a história do cinema.
O talento e carisma de Rickey no palco fez Dizzy tomar uma atitude arriscada: levar para as telas os “animados”, mesmo correndo o risco de perder sua dignidade, pois nessa época, esses bichinhos sofriam bastante preconceito, vivendo na marginalidade e esquecidos pelo poder público.
Ser um “animado” era nocivo, repugnante e assustador. A sociedade composta pelos humanos excluiu a raça animada do convívio social e a jogou — sem o mínimo de cidadania — nos bairros periféricos, no qual muitos deles viviam da prostituição, tráfico de drogas e animação em festas infantis, onde as crianças contratavam os “animados” para violentá-los em orgias envolvendo recheio de chiclete sintético, refrigerante com alto teor de gás e brigadeiros industriais.
O risco em tornar um “animado” ícone pop era alto, mas Dizzy Walters investiu todo seu dinheiro no filme “Rickey na Ferrovia”. Surpreendentemente, o sucesso foi imediato! Mesmo com todo o ceticismo enraizado na crítica de cinema especializada, as plateias humanas aclamavam o filme como “revolucionário”.
Rich Koslowski afirma que:
Rapidamente, todos os grandes estúdios de cinema começaram a produzir filmes estrelados por atores animados. Seis meses após a estréia de ‘Rickey na Ferrovia’, quatro dos maiores estúdios lançariam produções estreladas apenas por elencos de atores animados.
Assim, a indústria cinematográfica de animação promove uma avalanche de filmes marcados pelo fracasso de bilheteria. Por algum motivo desconhecido, o público não respondia positivamente ao lançamento dos novos filmes que surgiram após o “fenômeno Rickey”.
O autor entrevista (entre ex-atores e testemunhos da época) Hans Wurstmacher:
Enquanto os filmes animados não estrelados por Rickey causavam prejuízos aos atravessadores, produtores e exibidores, a fama de Dizzy e seu parceiro lotavam as capas de revista, jorrando dinheiro por todos os lados!
A alta cúpula do setor de animação em Hollywood estranhou como Dizzy e Rickey tornaram-se, do dia para a noite, os novos magnatas do cinema. Algo errado estava acontecendo nos círculos internos do setor.
O sucesso de Rickey aumentava a cada filme realizado, mas para atingir a fama imediata os artistas sempre pagam um alto preço.
Até o ano de 1946, apenas os filmes da dupla prosperavam, fazendo Rickey tornar-se o maior super-astro animado de todos os tempos, o que o levou a casar-se com uma humana! A união afetiva com Rosa Belmont promoveu uma grande discussão étnica nos anos 40 nos Estados Unidos: Humanos podem unir-se a Animados? Mesmo com a fúria do público conservador norte-americano, sem dúvida, Rickey e Rosa quebraram os tabus em torno do amor entre seres tão distintos.
A vida de Rickey e Dizzy estava no seu melhor momento, até que os segredos sobre o Ritual são revelados à imprensa a partir de uma denúncia anônima realizada em 1948, que trouxe à tona um dossiê fotográfico responsável pela desgraça da carreira de ambos. As imagens confirmam: o Ritual é uma terrível realidade.
A partir das imagens expostas por Rich, “Três Dedos” promove um debate com ex-atores animados fracassados para compreender a possível ligação dos personagens centrais com o escândalo envolvendo o Ritual.
Seria essas práticas macabras que o levaram à fama absoluta? É a partir desta fórmula bizarra que os desenhos animados conseguem hipnotizar milhares de crianças atualmente? Seria o “horror” a palavra de ordem nas animações que formaram gerações de homens e mulheres?
Numa rara aparição à Rich Koslowski, Rickey polemiza:
Comentários bombásticos buscam questionar a indústria cinematográfica e avaliar o raio‑X do maior escândalo da cultura pop nos anos 40.
Quem lembra do Pato Daniel? Engasguinho? Tonto? Liu Liu? Rapidinho Rodriguez? Gafanhoto Cantante? Pernalouca? Freidrich Von Gatze? Millie Marsupial? Pato Nildo? Antigos grandes astros da animação que hoje vivem em condições precárias, na maioria dos casos vendendo-se à indústria pornográfica ligada à categoria Zoo-Shemale-Gagfactor ou trabalhando nas zonas boêmias da Animalândia.
A repercussão em torno do Ritual promoveu ataques de artistas e políticos famosos (como Marilyn Monroe, o senador Theodore Iverson, Martin Luther King e J. F. Kennedy), que “se levantaram contra o abuso e tratamento ruim dado aos animados”. Poucos meses após a manifestação de apoio aos animados, os mesmo críticos que acusavam a indústria hollywoodiana por tais crimes sofreram trágicos “acidentes de percurso” até hoje inexplicáveis. Haveria alguma ligação entre essas mortes e o Ritual?
Pernalouca, após ser questionado por Rich sobre sua possível ligação com ritual, reage de forma surpreendente:
Desse modo, “Três Dedos” apresenta aos leitores o processo de construção dos mitos animados da TV e cinema. Analisa como a indústria da animação lucra milhões de dólares, investindo em filmes e séries televisivas infantis que movimentam um mercado macabro, obrigando os artistas a se submeterem ao Ritual em troca da fama, luxo e reconhecimento de público. Quando os produtores lucram tudo que podem, os jogam no esquecimento absoluto.
O que está por trás do universo dos filmes infantis? Até que ponto nossos filhos devem consumir tais conteúdos, marcados por uma atmosfera de horror e submissão? “Três Dedos” é um livro que precisa ser lido e divulgado imediatamente nas escolas, creches e aos pais mais cuidadosos, como um alerta moral sobre a maldição envolvendo os desenhos animados.
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Wind
“Não estar morto não é estar vivo”. O aforismo de E.E Cummings, poeta e ensaísta norte-americano, traduz em palavras o véu que cobre homens e mulheres formados pelo mosaico de rotinas, perfeitamente adaptados e estabilizados em situações que sequer conhecem ou entendem. Quando acontece uma ruptura no modo de vida já petrificado, a comunidade entra em catatonia.
A animação “Wind” (2012), criada pelo designer e ilustrador Robert Löbel, emerge essa panorâmica. O curta traz o dia-a-dia de uma população que vive em um local inóspito, assolado por uma ventania infindável. Todas as atividades, ações e comportamentos do grupo circulam em torno dos ventos fortes. Como a condição climática é aceita sem questionamentos, a rotina é lançada ao ar, feito folha seca guiada sem direção.
No entanto, repentinamente o vendaval cessa e a população, atônita, é descaracterizada. Como o barman vai servir os clientes sem o auxílio do vento? Sobreviverão os cortes de cabelo padronizados sem a tempestade de ar? Ao que a animação indica, parece que não.
“Wind” é o resultado do projeto final de graduação de Robert Löbel na Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo, conquistando mais de 18 prêmios internacionais. Além disso, a produção leva na bagagem indicações em festivais de várias partes do mundo. A animação é feita sem diálogos, com traços limpos e deliciosamente irônicos e lúdicos, deixando como mensagem uma pergunta sem rodeios: Se a humanidade é feita de comodismo e resignação, somos ou não guiados pela mão fatalista do destino?
Confira a animação:
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Folheteen: direto ao ponto | HQ da Semana
Arranjar um novo emprego, ajudar a pagar o aluguel e as contas da casa, estudar pras provas no colégio, aceitar o novo namorado da mãe dentro da família. Esses são os problemas de Malu.
Malu não tem super-poderes, não precisa salvar o mundo, não teve uma experiência traumática, não vive uma grande história de amor. Ela é a menina que te atende no caixa do supermercado, é a menina que distribui folhetos nos sinais de trânsito.
Essa é a protagonista do álbum Folheteen: direto ao ponto, escrito pelo curitibano José Aguiar. E a cidade de Curitiba se faz presente em toda a história, nos detalhes dos lambrequins, prédios, pontos de ônibus. Ainda assim, não é uma história bairrista. A moça Malu poderia morar em qualquer cidade. O forte do álbum é essa narrativa despretensiosa e adorável sobre essa menina absolutamente comum.
A trama de Folheteen começa quando a protagonista perde seu emprego no supermercado. A partir disso, acompanhamos as dúvidas e preocupações de Malu, tentando ajudar a manter sua casa, equilibrando estudos com sua vida pessoal. Ela precisa resolver problemas dentro de sua família e, principalmente, problemas dentro de si mesma.
Os personagens no traço de José Aguiar ganham uma forte expressão gráfica em linhas geométricas e formas simples. O estilo de desenho ajuda na narrativa que flui de maneira natural e aumenta ainda mais a sensação de “cotidiano”.
Trata-se de um trabalho honesto, muito bem realizado e cheio de humanidade. O acabamento gráfico do álbum é belíssimo e ainda apresenta um texto sobre a carreira profissional do autor e a gênese de sua obra.
Folheteen: direto ao ponto foi lançado agora, em de junho de 2013, e pode ser encontrado nas livrarias e comic shops com preços variando entre R$40,00 e R$49,00. Você também pode adquirir um exemplar direto com o autor, autografado, pelo e‑mail projeto.quadrinho [arroba] gmail [ponto] com.
Folheteen: direto ao ponto
Autor: José Aguiar
Editora: Quadrinhofilia
Preço: Entre R$ 40,00 e R$49,00 -
Lapsus
Com um desenho minimalista e um ótimo senso de humor, a animação Lapsus (2007), do argentino Juan Pablo Zaramella, conta a divertida história de uma freira que decide se aventurar no seu lado negro.
Utilizando somente o contraste do branco com o preto, Zaramella explora não só as ideias e conceitos por trás dessas cores, mas também brinca com as várias posibilidades gráficas das formas utilizadas no desenho quando a cor do fundo é invertida. O curta fica ainda mais engraçada pois as únicas palabras que a freira consegue falar são “Oh my God!”, que em português seria algo como “Ai meu Deus!”, independente da situação em que ela está.
O animador Juan Pablo Zaramella A animação Lapsus foi vencedora de melhor curta do Anima Mundi São Paulo 2007 e ganhou prêmios nos festivais de Hiroshima, Annecy e Sundance. O diretor também foi premiado em vários outros festivais, com animações como a “El Desafio a la Muerte“, “Viaje a Marte”, “Sexteens” e “Luminaris”. Além disso, ele possui em seu portfolio excelentes curtas para comerciais de marcas como: Pepitos, Plan Rombo, Knorr e American Express.
Juan Pablo Zaramella é formado pelo Instituto de Arte Cinematografico de Avellaneda, na Argentina, como Diretor de Animação, trabalha atualmente como animador independente, escrevendo, dirigindo e animando curtas. Começou a desenhar quando tinha somente três anos de idade e aos oito já estudava desenho e fazia flipbooks. Este ano, também foi o responsável pela criação da identidade visual do Anima Mundi 2013, festival que participa com seus curtas desde 2002 e através do qual seu trabalho é muito divulgado aqui no Brasil.
Assista o curta completo abaixo:
O diretor também fez um divertido “Por trás das cameras”, com cenas exclusivas, imagens dos bastidores e uma entrevista polêmica.
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A Recompensa (The Reward)
Em um pequeno vilarejo de Tohan, dois jovens vivem seus dias apenas seguindo suas rotinas comuns e sem graça. Mas um dia, um glorioso herói surge repentinamente. E enquanto os dois o observam com grande admiração, ele deixa cair acidentalmente um mapa do tesouro. Após uma pequena briga sobre quem vai ficar com o mapa, decidem encontrar juntos o misterioso tesouro. Na animação A Recompensa (The Reward, 2013), dirigido por Mikkel Mainz e Kenneth Ladekjær, acompanhamos durante nove minutos, a jornada desses personagens para conseguirem ganhar a tão desejada recompensa.
O curta foi produzido durante sete meses em um workshop, por estudantes da escola de animação dinamarquesa The Animation Workshop. Boa parte do processo de criação foi documentado no blog oficial do projeto, assim como as artes de cada um dos personagens, cenários e armas utilizadas. Um verdadeiro tesouro para qualquer fã de desenho ou animação! A trilha sonora, criada por Mathias Winum, também está disponível e pode ser escutada abaixo.
Uma dica antes assistir: veja o curta até o final. Tem uma pequena cena após os créditos, que é relevante para a trama apresentada.
Assista a animação A Recompensa (The Reward) abaixo:
Making Of da animação:
Após o término do workshop e do lançamento do curta, os dois diretores se juntaram a Bo Juhl (outro ex-estudante da escola), para criar o estúdio de animação Sun Creature, cujo propósito é explorar o mundo da animação 2D e tentar ultrapassar as barreiras e limites das animações atuais. Como seu primeiro projeto, a equipe decidiu criar uma campanha no Kickstarter para fazer uma série animada baseada no mundo de A Recompensa (The Reward), se aprofundando em alguns aspectos da história original, como o conto da lenda por trás do espelho e porque o mapa e foi criado. Eles também fizeram um pequeno jogo baseado no curta, para ser jogado em duas pessoas, que está disponível gratuitamente na internet. A boa notícia é que o projeto conseguiu ser bem sucedido no dia 6 de abril, agora só resta esperar o resultado!
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Valente para todas | HQ da Semana
Quem nunca deu suas cabeçadas por causa de amor? Quem não meteu os pés pelas mãos, fez confusão, quem nunca teve dor-de-cotovelo? Quem acredita em amor?
Se essas perguntas mexem com você, Valente para todas é um livro de quadrinhos que vai te agradar em cheio. Valente, Dama, Bu, Princesa e outros personagens parecem apenas mais um punhado de bichinhos fofinhos, mas quando começar a ler as aventuras dessa turma vai perceber que ali tem muito mais do que fofura.
O autor, Vitor Cafaggi, recria com esses simpáticos personagens situações com as quais que todo mundo que já foi adolescente apaixonado (ou apaixonada) vai se identificar. Seu texto é ótimo, os diálogos são cativantes e a trama, baseada em um inusitado triângulo amoroso, não deixa largar o livro antes do fim.
As histórias tem o formato de tiras em quadrinhos, que funcionam muito bem quando reunidas em um só livro, mantendo coerência e continuidade.
Valente para todas é o segundo volume de uma série, dando continuidade às histórias de Valente para sempre. Graças a uma boa apresentação resumindo os eventos anteriores, é perfeitamente possível ler e se envolver com as desventuras do cãozinho.
Cafaggi pretende fazer uma série com cinco livros contando a saga de Valente. O final do segundo volume deixa o leitor ansioso pela continuação.
Também é possível conferir todas as aventuras do personagem no blog do autor, que disponibiliza semanalmente atualizações das aventuras de Valente.
Para adquirir Valente para todas, entre em contato direto com o autor por e‑mail (vitorcafaggi [arromba] gmail [ponto] com) ou acesse o site da Comix , onde estão disponíveis os dois álbuns da série.
Valente para todas
Autor: Vitor Cafaggi
Publicação independente.
Preço: R$ 12,00 -
Xampu | HQ da Semana
Roger Cruz trabalhou muito tempo como desenhista de gibis de super-heróis. X‑men, Hulk, Motoqueiro Fantasma. Mas em 2009, entre um trabalho e outro, Cruz arranjou tempo pra fazer uma série de histórias com um estilo de desenho, enredo e espírito completamente diferentes do modelo do super-herói.
O álbum Xampu reúne essas histórias que falam sobre pessoas comuns, jovens e adolescentes, em São Paulo no final da década de 1980. Pra quem viveu essa época, o álbum tem um sabor de nostalgia delicioso. São detalhes nos desenhos: cartazes, capas de LP, livros…
Mas o mérito maior do livro não está na nostalgia e sim na maneira envolvente como são narradas as desventuras de seus protagonistas. Difícil não se identificar com as incertezas e paixões que movem essa turma. Cruz consegue criar personagens que cativam o leitor, que se tornam importantes e que permanecem na memória.
As histórias são relativamente independentes umas das outras, embora possuam cronologia e um elenco principal estável, todos jovens, de uma periferia. Tudo gira em torno do apartamento do edifício número 78, onde o Sombra, Max, Nicole, Pedrão e mais uma galera se “mocosavam” pra curtir um som, drogas e amassos.
O estilo rock&roll, cabelo comprido, calças jeans, jaqueta de couro, tatuagens, bebidas, sexo… A vida dos personagens vai se construindo em torno disso e acompanhamos trajetórias que nem sempre terminam em finais felizes.
A capa do álbum mostra um disco de vinil e brinca com a ideia de que não apresenta histórias, mas sim “faixas”, “canções” que recebem nomes como “Xampu Generation”, “O Sombra”, “Raquel”, “Max & Nicole” e outras. Há também uma “faixa bônus: UnPlugged”: uma sessão cheia de esboços e testes de estilos de desenho.
É um trabalho excelente, com uma narrativa cativante, ótimos desenhos e histórias.
Lançado em 2010, o álbum ainda pode ser encontrado nas livrarias e comic shops. O autor fez um post em seu blog com várias fotos de originais e também criou um blog oficial da HQ.
Desenhos originais e ferramentas de trabalho do autor Xampu
Autor: Roger Cruz
Editora: Devir
Preço estimado: R$ 29,50 -
A Chegada | HQ da Semana
Uma história em quadrinhos que usa apenas imagens e nenhuma palavra. Ou melhor, nenhuma palavra em idioma conhecido. Vemos textos em caracteres imaginários, letras fantásticas incompreensíveis que acabam se tornando parte das imagens.
Isso é um artifício narrativo do autor Shaun Tan, que pretende criar no leitor a sensação do protagonista da história: ser imigrante em um país completamente estranho, de cultura praticamente alienígena.
A arte do álbum é embasbacante, magnificamente desenhada a lápis. As imagens procuram reproduzir fotografias antigas que retratavam a chegada de estrangeiros à América no começo do século XX.
Há todo um clima de nostalgia, mas o tempero especial do álbum é a fantasia. Nesse novo país, o nosso protagonista toma contato com estranhas criaturinhas que parecem Pokémons, com hábitos e estruturas de trabalho radicalmente diferentes das que conhecia e, principalmente, com outros estrangeiros como ele, que vieram de lugares ainda mais estranhos com histórias comoventes e surpreendentemente reais.
A Chegada é uma belíssima obra sobre diversidade e solidariedade. Com suas silenciosas imagens em tom de sépia, está cheia de sons, histórias, cores e vida. Shaun Tan compôs uma história cheia de poesia e sensibilidade, marcada por elementos fantásticos que parecem simultaneamente estranhos e familiares. Uma história sobre pessoas tão diferentes e ao mesmo tempo com tanto em comum.
A Chegada
Autor: Shaun Tan
Editora: Edições SM
Preço estimado: R$48,00 -
Dossiê Darren Aronofsky: The Fountain — Graphic Novel
O diretor inglês Peter Greenaway já vem divulgando desde a década de 80 a sua ideia de que o cinema morreu e em seus últimos projetos, como na trilogia As maletas de Tulse Luper, expande a experiência do cinema inicialmente limitado apenas às suas salas escuras. Devido a exploração mercadológica cada vez maior nesta indústria, é fácil que subprodutos de um longa sejam produzidos para tentar simular esta expansão, mas na verdade são somente pequenos extras ou um making of do que já foi feito, não mudando realmente a experiência cinematográfica em si. Ou seja, são apenas outros meios para conseguir mais dinheiro do consumidor.
É aí que está a grande diferença da graphic novel The Fountain, escrita por Darren Aronofsky e ilustrada por Kent Williams, que foi lançada pelo selo Vertigo da DC Comics em 2005 e ainda é inédita no Brasil. Apesar de ter sido praticamente desenvolvida em paralelo ao filme A Fonte da Vida, lançado em 2006 e dirigido pelo próprio Aronofsky, ela foi criada de maneira completamente independente. A base dos dois é a sua história, mas as semelhanças praticamente acabam por aí. Temos em cada um desses projetos uma versão diferente do enredo inicial, que utilizam ao máximo todas as possibilidades da mídia na qual foi adaptada, respeitando a sua própria linguagem e estilo. Algo similar acontece quando uma adaptação de um livro para as telas não tenta reproduzir a experiência da leitura, mas sim criar algo novo utilizando a linguagem do cinema.
Tomás em busca da Árvore da Vida Se você ainda não conhece a história principal, ela narra em três diferentes tempos a jornada de um mesmo personagem (Tomás, Tommy e Tom) em busca da imortalidade para poder ficar junto a sua amada. As três narrativas vão se alternando e uma é interdependente da outra, ou seja, é necessário que o personagem resolva a mesma questão nesses espaços diferentes de tempo para que ele possa finalmente concluir a sua própria história.
Darren Aronofsky Este provavelmente ainda é o projeto mais ambicioso de Aronofsky — posição que talvez vai ser tomada pelo seu novo longa Noé, previsto para 2014 — e também foi o que mais dividiu o público, como ele mesmo comentou em uma entrevista. Isso não só pelo estilo narrativo e pela complexidade dos cenários e situações, algo parecido com que o recente A Viagem dirigido por Tom Tykwer e pelos irmãos Wachowski fez, mas também pelo seu tema principal: aceitar a morte, ou o fim, assim como as nossas próprias limitações como seres humanos.
Tom em direção a Xibalba Por conta do seu alto custo, o projeto foi oficialmente encerrado em 2002, mas o diretor resolveu reescrever todo o roteiro para que ele deixasse de ser uma super produção e seguisse a mesma linha de filmes indie de baixo orçamento, que o mesmo havia feito até aquele momento.
Kent Williams Logo no início das negociações do filme, Aronofsky sabia que este seria um projeto muito difícil, então ele e o produtor lutaram de antemão para que os direitos da graphic novel fossem garantidos de qualquer forma. Quando entrou em contato com a Vertigo, lhe indicaram o artista Kent Williams e, apesar de não o conhecer, cada vez que ia recebendo mais exemplos de seus trabalhos, ficava ainda mais empolgado com essa parceria. Depois de iniciado as produções, eles brincavam bastante a respeito de qual dos dois iriam terminar primeiro, o longa ou a HQ. Quase houve um empate, mas a graphic novel ficou pronta um ano antes do filme.
Capas da série lançada pela Editora Abril Williams é um ilustrador americano que já trabalhou para várias editoras de quadrinhos, sendo responsável pelas artes do Wolverine na aclamada série Wolverine & Destrutor: Fusão, lançado aqui no Brasil em quatro edições pela Editora Abril no ano de 1989. Hoje em dia ele deixou um pouco as HQs de lado para se focar mais em suas pinturas, apesar de ter admitido em uma entrevista que está trabalhando em um quadrinho autoral, mas que não tem prazo para terminar. Se você tiver interesse, pode acompanhar seus trabalhos mais recentes neste blog ou em seu site oficial.
Em The Fountain foi possível realizar graficamente todos os detalhes do enredo, que em outra mídia como o cinema, provavelmente seria financeiramente impossível. Este é na real é um dos grandes trunfos de uma história em quadrinho, em um desenho pode-se criar tudo que se imagina e até coisas que são impossíveis de existir. M.C. Escher era, por exemplo, um especialista nesta área, sem ficar se preocupando muito com orçamentos. Isso vale também no quesito de sair do pudor hollywoodiano, nos desenhos não é preciso lidar com a limitação dos estúdios e dos próprios atores. Por exemplo, os personagens da HQ estão completamente nus dentro da bolha, enquanto no filme estão vestidos dos pés á cabeça.
Tommy em busca da cura do câncer No começo, os desenhos de Williams podem gerar um certo estranhamento, pois ele varia bastante o estilo ao longo da história. Os traços vão desde somente alguns contornos, parecendo um pouco com rascunhos, à páginas completamente coloridas até nos mínimos detalhes. Além dessa grande variação de detalhamento e cor, que cria uma personalidade muito interessante nos desenhos, se nota uma clara separação entre os três diferentes tempos que a história se passa, tanto pela divisão gráfica dos quadros e suas cores determinantes, quanto pela cor utilizada no fundo para preencher o espaço vazio.
O uso de somente duas fontes nos textos, uma para os diálogos e outra para narração, acaba quebrando um pouco toda essa diversidade dos desenhos, mas consegue assim manter uma experiência de leitura bem agradável. É interessante também notar que algumas legendas no início são descrições de sons ou estados dos personagens naquele quadro, como se fosse um roteiro para o filme, mas que durante o desenvolver da história assume uma linguagem mais característica dos quadrinhos.
Tom começando a aceitar o seu destino Pode-se até pensar que The Fountain poderia ser algo como uma “versão do diretor” do longa, mas isto seria equivocado. Também está longe de ser um storyboard do mesmo. Como mencionei anteriormente, ela é uma experiência completamente diferente do filme, sendo uma nova interpretação ao invés de apenas mais uma repetição do que você já viu nas telas. Alguns talvez até podem afirmar que esta HQ é algo mais para um fã do longa ou do diretor. Não posso discordar desta afirmação, mas acredito que a mesma sobrevive tranquilamente como uma obra independente e única no mundo das graphic novels.
Como a HQ ainda é inédita aqui no Brasil, é possível comprá-la em inglês no site de livrarias como a Saraiva e a Cultura. Se você já comprou ou pretende comprar, uma experiência que pode ser bem interessante é a leitura dela junto com a trilha sonora do filme criada por Clint Mansell, que é simplesmente sensacional.
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Le Royaume
O que é preciso para ser um rei de verdade? Ter somente uma coroa e capa vermelha não é o suficiente. É preciso primeiro ter súditos, nem que seja somente um, e também o mais importante: um castelo! Com essa premissa, acompanhamos a jornada de um pequeno rei no curta Le Royaume (2010), também conhecido como “The king and the beaver”, foi escrito, dirigido e animado por Nuno Alves Rodrigues, Oussama Bouachéria, Julien Chheng, Sébastien Hary, Aymeric Kevin, Ulysse Malassagne e Franck Monier, estudantes de graduação da famosa e sonhada escola de cinema de Gobelins, na France.
A história do curta é bem simples, mas muito bem desenvolvida, possuindo um humor único e sensacional, sem precisar de qualquer tipo de diálogo. O estilo lembra um pouco desenhos animados feito a mão, com um toque francês a la O Pequeno Príncipe, mas com detalhes mais refinados no cenário. Aos poucos vamos conhecendo mais a história do reizinho e também imaginando o que poderia ter acontecido anteriormente com ele, pois ele carrega consigo uma pista do passado.
httpv://www.youtube.com/watch?v=Qw1wY6O7_x8