As vezes eu realmente não entendo por que determinadas obras não ganham a devida atenção da mídia brasileira. Deixa Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In, Suécia, 2008), de Tomas Alfredson, foi aclamado pela crítica, venceu vários festivais de cinema fantástico, foi indicado a tantos outros e, mesmo assim, quase passou batido pelos cinemas brasileiros – além de ainda não ter recebido a atenção de nenhuma distribuidora para o mercado doméstico.
O personagem principal da história é Oskar (Kåre Hedebrant), um garoto de 12 anos, colecionador de materiais sobre serial killers, que é o alvo preferido das provocações em sua escola. Ele vive com sua mãe na periferia de Estocolmo e concentra boa parte de seus dias em planejar uma vingança contra aqueles que o provocam na escola, mesmo sabendo que nunca teria coragem para efetivamente fazer tal movimento.
A vida de Oskar muda quando ele conhece sua nova vizinha, Eli (Lina Leandersson, em uma estreia fabulosa). Mesmo que o espectador saiba desde o princípio que Eli é uma vampira, a sutileza com que ela tenta mostrar sua situação para Oskar chega a ser tocante, e é um dos pontos que fazem com que o clima de Deixa Ela Entrar mesmo que “arrastado”, não deixe que percamos o interesse no filme em momento algum, culminando com a fantástica cena em que Oskar finalmente entende – em parte – o que ela queria lhe dizer.
A própria personagem de Eli, aliás, é a força motriz de Deixa Ela Entrar. Terminamos com muito mais dúvidas que respostas sobre quem ela de fato é, principalmente sobre seu passado e seu misterioso relacionamento com Håkan (Per Ragnar), o homem com quem se muda para o condomínio de Oskar. E talvez este seja um dos meus maiores medos (dentre tantos) em relação ao remake americano: a ânsia de Hollywood por respostas que “completem” seus roteiros.
Tais respostas, aliás, são encontradas no livro de mesmo nome de John Ajvide Lindqvist, de 2004 – sem tradução para o português, ainda. Para mim, se trata de um dos mais fortes casos de complementaridade entre cinema e literatura. TODAS as respostas para as questões levantadas no filme estão em algum lugar do livro, mas, de alguma forma, elas realmente não precisavam estar no longa. São estas respostas que, implicitamente, fazem de Deixa Ela Entrar um dos filmes mais pesados que tive a oportunidade de ver recentemente. Poucos são os que tratam de questões tão perturbadoras, especialmente com crianças nos papéis principais.
Tecnicamente, Deixa Ela Entrar é impecável. A fotografia é absurdamente linda, como é comum no cinema sueco, e a direção de Tomas Alfredson é excelente, fazendo com que o filme não se torne cansativo em momento algum. A sensação que fica é de que nada do que é mostrado na tela é desnecessário, algo cada vez mais raro no cinema, especialmente no fantástico. A consistência das atuações dos dois atores principais (Hedebrant e Leandersson) também impressiona, especialmente por se tratar do primeiro trabalho de ambos.
O triste, novamente, é notar como ambas as obras (filme e livro) não ganham o destaque que mereciam. Eu me surpreendo cada vez que entro em uma livraria com a quantidade de lançamentos sobre vampiros que pegou carona na Saga Crepúsculo, muitos dos quais eu nunca ouvi falar e – posso queimar a língua um dia, mas acho difícil – possuem qualidade altamente questionável, enquanto um Deixa Ela Entrar, aclamado nos mais diversos locais onde foi lançado, é ignorado.
Resta torcer para que o temido remake americano, Let Me In, previsto para 1º de outubro de 2010, ao menos faça com que haja boa vontade das distribuidoras nacionais em relação ao filme original, Deixa Ela Entrar.
Outra críticas interessantes:
- Conrado Heoli, no Cine Players
- Sérgio Alpendre, no Cineclick
- Renan, no O Embasbacado
Trailer: