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  • Não Passa na TV: Truce (2010)

    Não Passa na TV: Truce (2010)

    Você sabe onde foi cri­a­da a primeira esco­la de cin­e­ma do mun­do? Não, não foi na Cal­ifór­nia, muito menos em Paris. Pou­cas pes­soas sabem, mas a primeira foi a Esco­la de Cin­e­ma de Moscou, de onde saíram grandes teóri­cos que pos­te­ri­or­mente se trans­for­maram em grandes cineas­tas, como o Eisen­stein e o Pudovkin, nomes com­pli­ca­dos até para quem estu­dou o assun­to e já foi apre­sen­ta­do a esse cin­e­ma aparente­mente tão dis­tante. Não vou aqui con­tar a história do cin­e­ma rus­so, mas acho impor­tante diz­er o que acon­te­ceu para que essa arte sem­pre tão promis­so­ra min­guasse quase que com­ple­ta­mente. Até por que sem­pre escu­to ques­tion­a­men­tos como ‘Mas eles não fazem cin­e­ma?’, ‘Por que não chega aqui?’.

    Antes da cri­ação da Esco­la de Cin­e­ma de Moscou, num perío­do pré rev­olução rus­sa, a pro­dução local era estáv­el e tra­bal­ha­va como os demais can­tos do globo, usan­do o teatro como base, tate­an­do como faz­er o cin­e­ma dar cer­to. Porém depois da rev­olução tudo se des­fez, o gov­er­no começou a cen­surar os pro­je­tos, muitos que com­pun­ham essa indús­tria acabaram exi­la­dos, e os que ficaram, com difi­cul­dades de mão de obra, acabaram focan­do em doc­u­men­tários e filmes exper­i­men­tais. Aí a gente vê quan­to tem­po a Rús­sia perdeu ao ter que se restru­tu­rar, sair dos filmes con­ceitu­ais e voltar ao grande mer­ca­do, que a essa altura já tin­ha Hol­ly­wood a frente.

    O cin­e­ma rus­so ain­da hoje não é tão con­heci­do no Brasil, emb­o­ra dire­tores mais recentes como Alexan­der Sokurov (Arca Rus­sa, 2002) ten­ham aqui muitos devo­tos, que na sua maio­r­ia são restri­tos aos estu­dantes de cin­e­ma e os ciné­fi­los mais ded­i­ca­dos. Pois bem, para você que não está muito famil­iar­iza­do com o assun­to, o filme a ser trata­do aqui é Truce (Peremiere, Rús­sia, 2010), o quar­to lon­ga da dire­to­ra Svet­lana Prosku­ri­na — que inte­gra esse hall de adoráveis descon­heci­dos, com­pon­do filmes cada vez mais inter­es­santes e cheios de sensibilidade.

    Truce tem uma história min­i­mal­ista, con­ta a história de Egor, um cam­in­honeiro de vinte e poucos anos que mora numa cidadez­in­ha sem nome no inte­ri­or da Rús­sia. Lá não há muito o que faz­er, a diver­são é caçar e beber, e os home­ns não demon­stram ambição além dis­so. Começamos com pou­cas infor­mações e, na ver­dade, não gan­hamos muitas mais até o fim do filme. 

    Durante sua viagem a tra­bal­ho Egor deixa tudo para trás e segue sem des­ti­no claro, visi­ta sua cidade natal, encon­tra seus ami­gos de infân­cia e acei­ta exper­iên­cias típi­cas de quem não tem muito apego a vida e está ali para o que der e vier. A via­jem é uma metá­fo­ra per­fei­ta a nos­sa procu­ra diária por respostas, e talvez por isso Egor se arrisque em tan­tas frentes, inclu­sive a procu­rar uma esposa. A primeira vista o roteiro pode pare­cer sem propósi­to, Egor mora no meio do nada, não tem ambição de nada e via­ja rumo ao nada, mas a medi­da que somos apre­sen­ta­dos as situ­ações jun­to a ele percebe­mos que, ao lon­go da vida, nem todos nos­so ques­tion­a­men­tos são respon­di­dos e nem todas nos­sas ati­tudes servem ao final, e mes­mo assim ten­ta­mos. Egor, da sua for­ma, bus­ca uma jus­ti­fica­ti­va para a vida, mes­mo que não ques­tione aber­ta­mente. Ele pas­sa pelas vidas das pes­soas escu­tan­do mais do que opinan­do e segue o rit­mo que lhe é impos­to, depen­den­do da com­pan­hia e da situ­ação. Em deter­mi­na­do momen­to tem o que con­sidero o mel­hor encon­tro de todos, com Gen­ka, um aspi­rante a escritor que nun­ca escreveu uma lin­ha sequer (inter­pre­ta­do pelo can­tor Shnur, da ban­da Lenningrad), e que pas­sa boa parte do seu tem­po sen­ta­do, olhan­do a bela pais­agem de vagões abandonados.

    Ao fim a real­i­dade apre­sen­ta­da por Prosku­ri­na é a de uma Rús­sia mais ínti­ma, longe de sua cap­i­tal, onde as pes­soas ain­da procu­ram for­mas e motivos para mel­ho­rar. Tudo é sofri­do, das edi­fi­cações aban­don­adas e anti­gas, as pes­soas mais vivi­das. A beleza aí pul­sa ape­nas da juventude.

    Truce é um exem­plar do mel­hor que a Rús­sia tem feito. Prosku­ri­na – que tra­bal­hou tam­bém no roteiro de Arca Rus­sa, e que em Truce assi­na o roteiro e a direção — segue Sokurov com o cuida­do de uma admi­rado­ra ded­i­ca­da, não copia, mas pega empresta­do traços estéti­cos. Com esse novo respiro esse cin­e­ma avisa ao mun­do que vem pro­gres­si­va­mente retor­nan­do, pron­to para mostrar ao mun­do seu selo de exportação.

    Trail­er:

    httpv://www.youtube.com/watch?v=ZsFGlNTAgts