Valter (Marat Descartes) mora na periferia de São Paulo e é um trabalhador braçal, sem carteira assinada, durante o dia, e à noite estuda em um curso supletivo, para tentar assim conseguir um emprego melhor. Mora junto com sua esposa, Iara (Ana Carbatti), e mais dois filhos pequenos, um menino e uma menina, em uma casa que seu próprio pai construiu “tijolo por tijolo”, segundo o próprio. A rotina de toda sua família é abalada quando três novos inquilinos se mudam para a casa ao lado. Poderia ser mais um filme sobre as dificuldades do cotidiano, não necessariamente brasileiro, de uma família tentando sobreviver “decentemente”, mas Os inquilinos (Os Inquilinos – Os incomodados que se mudem, Brasil, 2009), de Sérgio Bianchi, vai muito mais além.
Assim como as outras obras do diretor, aqui há também a contradição entre o que é falado e feito, de uma maneira cada vez mais sutil, ou seja, com situações que de tão comuns, não chamam mais muito a atenção. Soco no estômago é pouco para descrever este novo filme.
A primeira tomada do filme exibe uma magnífica árvore, cheia de folhas verdes, no meio de um enxame de casas simples, com seus tijolos á mostra, criando já aqui uma antagonia gritante. Seguindo a linha de pensamento do próprio subtítulo do filme (os incomodados que se mudem), vem a pergunta: a natureza seria a incomodada com os atuais “inquilinos” vizinhos? Ela deveria então se mudar? Mas ela já não estava aqui bem antes deles chegarem? A mesma dúvida fica sobrevoando durante toda a trama da família de Valter. Deveria então se mudar, principalmente se foi seu pai que construiu aquela casa, ou seja, ele chegou antes. É aí que se inicia um, sutil, questionamento sobre a propriedade em si, e até onde é o seu limite, com ótimas tomadas de Valter tentando afirmar em seu imaginário, ou não, sua posição de macho-alfa perante os vizinhos.
Apesar da violência ser um tema recorrente em Os inquilinos, não há nenhuma cena explícita, tudo acontece nas entrelinhas. O mais interessante é que todas aquelas situações são independentes de classe social, mas na periferia, ela parece mais óbvia. Há todo um clima de tensão, que infelizmente foi pobremente conduzido (assim como o suspense em geral). A violência, além de gerar o medo, também instiga a curiosidade perante ela, por exemplo em programas de televisão assistidos à noite pela família, que durante o dia faz de tudo para fugir dela.
A sexualização infantil, apesar de estar em segundo plano, é aos poucos conduzida durante a história, que começa da noticia televisionada do estupro de uma menina encontrada morta perto da região, até a chocante cena de sua filha, uma menina possivelmente com menos de 12 anos, dançando um funk com roupas justas, na rua junto com as amigas. O sexo onde não há sexo, que pode ser deturpado dependendo de quem o vê.
Sem ficar apontando dedos na cara e dando lições de moral, Os Inquilinos inquieta e provoca. Se for assistir, vá preparado para um ótimo cinema-denúncia de Bianchi.
Outra críticas interessantes:
- Joba Tridente, no Claque ou Claquete.
- Kelly de Souza, no blog da Livraria Cultura.
- Celso Sabadin, no CineClick.
- Marcelo Hessel, no Omelete.
Trailer:
httpv://www.youtube.com/watch?v=EDPvBvnMlPo
Entrevista com Sérgio Bianchi:
httpv://www.youtube.com/watch?v=QgIVpo1KJ9c