Two roads diverged in a wood, and I
I took the one less traveled by
And that has made all the difference.
(Dois caminhos divergiam em um bosque,
e eu tomei o menos trilhado.
E isso fez toda a diferença. – tradução livre)
O fragmento citado faz parte do conhecido poema “The Road Not Taken” (‘A estrada não tomada’ ou, na tradução do poeta português Antônio Simões, ‘O caminho que não tomei’), do poeta norte-americano Robert Frost. O sentimento de insegurança cede lugar à escolha pela “estrada mais difícil”, íngreme e inacessível. Essa é a sensação deixada pelo enredo de A Viagem, título abobalhado para o original Cloud Atlas, novo filme dos irmãos Andy e Lana Wachowski em parceria com o diretor alemão Tom Tykwer. O longa tem dado muito trabalho à crítica, empurrando argumentos e pressupostos contra a parede. Um simples “não gostei” ou “sim, é realmente muito bom” não cabe para descrever essa adaptação fantástica do romance homônimo de David Mitchell.
A narrativa de A Viagem é uma verdadeira mistura de gêneros e ambientações, apresentando seis histórias que se traduzem em inúmeras outras, formando uma teia infinita de novos caminhos, encontros e desencontros e, especialmente, escolhas. As cenas do filme vão pulando de forma enlouquecedora, tornando a compreensão do enredo tarefa digna de olhos bem abertos. Cada história é ambientada em períodos diferentes, passando da época da escravatura, em 1849, para a realidade cyberpunk de um local conhecido por Neo Sul, aproximadamente em 2144. No meio dessas fases, o espectador é surpreendido por diferentes situações e personagens, onde as duas mais interessantes abordam a luta de uma jornalista para investigar os planos megalomaníacos e desumanos de grandes usinas nucleares americanas, na então década de 1970, e a ficção científica da Neo Sul, onde uma garçonete de uma grande rede de fast-food vivencia a revolução das ideias e o poder da mudança gerada pela possibilidade de escolha, ainda que vítima de um universo distópico.

A vida e os desafios de cada uma dessas existências se intercalam em detalhes sutis, em situações, lembranças, memórias, sentimentos e conexões espirituais. Uma marca de nascença na forma de uma estrela cadente conecta alguns personagens e suas buscas que, mesmo diferentes, acabam encontrando um ponto comum: transformar, mudar, arriscar, dar e receber. Particularmente, só consegui captar este detalhe depois de assistir ao filme pela segunda vez, já que os cortes abruptos nas cenas tornam a trama uma estrada mais sinuosa, difícil de entender em um primeiro momento. Algumas passagens são cortadas em momentos indevidos e os detalhes que conectam os fatos são sutis, salvos pela edição que retira ou prolonga o efeito sonoro, como também pela narrativa em off, que traz à tona os sentimentos que conectam as histórias e seus protagonistas.

O apoio do diretor Tom Tykwer, responsável pelos sensacionais O Perfume, Corra, Lola, Corra e Trama Internacional, foi fundamental no sucesso dessa produção dos irmãos Wachowski, já que a dose de genialidade da dupla, observada em Matrix, derrapou vertiginosamente com Speed Racer, um verdadeiro fracasso comercial. A Viagem enfrentou dificuldades no financiamento, conclusão e desenvolvimento, já que no início o projeto não animou muitos patrocinadores. Obstáculos à parte, o elenco faz jus a essa aposta corajosa, trazendo nomes como Tom Hanks, Halle Berry, Hugh Grant, Susan Sarandon, Jim Broadbent, Hugo Weaving e Keith David, com outros atores não tão conhecidos do grande público, como o lindíssimo Jim Sturgess, Ben Whishaw e David Gyasi, e as atrizes Zhou Xun e Doona Bae, chinesa e sul-coreana, respectivamente. Um detalhe interessante e que condiz com a proposta do filme é o fato de todos os atores fazerem mais de um papel, estando presentes nas diferentes épocas. A direção de arte e figurino ajudou bastante e é uma fórmula à parte, transformando negros em brancos, ocidentais em orientais, novos em velhos, homens em mulheres e vice-versa, dando uma rotatividade – em muitos casos, irreconhecível – ao elenco.

Muito mais do que um padrão diferente, A Viagem e sua belíssima trilha sonora são, na verdade, uma fantástica descoberta rumo ao desconhecido, navegando na direção de existências que dependem das nossas boas ações ou crimes, dando sempre uma nova chance, seja para repetir os mesmos erros ou fazer novos começos. É verdade, este não é um filme fácil, mas deixa como legado ao espectador uma experiência que foge do tradicional formato do gênero, que não cede ao roteiro fechado e previsível, criando um atlas de sensibilidade, filosofia e movimento inesquecível!