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  • DOC de Amor (2010), de Jucélio Matos

    DOC de Amor (2010), de Jucélio Matos

    Esse amor sem razão.
    Sem val­or amanhã.
    Mes­mo assim arderá eternamente.

    Mari­na Lima

    O cin­e­ma brasileiro inde­pen­dente col­he seus fru­tos. Vive­mos uma fase mar­ca­da pelas novas pos­si­bil­i­dades de pro­dução audio­vi­su­al em vir­tude da democ­ra­ti­za­ção das mídias e suporte de expressão. Hoje é pos­sív­el colo­car em práti­ca ideias, até então amar­radas pela lim­i­tação dos recur­sos téc­ni­cos, que esta­va disponív­el nas mãos de poucos. Ago­ra podemos cri­ar e faz­er cin­e­ma no Brasil em per­spec­ti­va plur­al, exper­i­men­tan­do a lin­guagem den­tro de nos­sas via­bil­i­dades e dese­jos de cri­ação, com nos­sos celu­lares, máquinas fotográ­fi­cas e demais dis­pos­i­tivos móveis.

    Novos doc­u­men­taris­tas surgem nes­sa safra cria­ti­va, pro­duzin­do sen­ti­do à História – seja na políti­ca, nos debates soci­ais, religião, etc — no caso de Jucélio Matos, às histórias das sen­si­bil­i­dades con­tem­porâneas. Ao ini­ciar seus estu­dos sobre cin­e­ma em 2004, Jucélio se rev­el­ou para a cena audio­vi­su­al per­nam­bu­cana em pouco tem­po, com o filme Doc de Amor (2010).

    Real­iza­do para um tra­bal­ho de con­clusão de cur­so da Fac­ul­dade Mau­rí­cio de Nas­sau, o filme já des­bravou qua­tro fes­ti­vais (Fes­ti­val Brasileiro de Cin­e­ma Uni­ver­sitário (RJ), Cur­ta Cabo Frio (RJ), Fes­ti­val do Filme etno­grá­fi­co do Recife (PE) e Arra­ial Cine Fest (BA)) e vem gan­han­do espaço por onde pas­sa, ao explo­rar um tema descon­cer­tante e mis­te­rioso para muitos de nós: o Amor.

    O filme apre­sen­ta um mosaico de histórias: expon­do a vida de várias pes­soas comuns viven­do seu dia-dia, sejam nos pos­tos de gasoli­na, nos bares, nas coz­in­has, nas casas, nas aven­turas ou nos lanch­es habit­u­ais de fim de tarde. Em cada coração que tran­si­ta no filme, podemos encon­trar difer­entes reina­dos, que deci­dem as for­mas de viven­ciar suas noções de Amor.

    O filme prob­lema­ti­za o ato de amar, vis­to nos depoi­men­tos como rup­tura das con­venções, que antes pren­di­am nos­sos cor­pos numa estru­tu­ra rígi­da, sus­ten­ta­do pelo sen­so mas­culin­izante da sociedade, lim­i­tan­do as pos­si­bil­i­dades de exper­i­men­tação dos sentidos.

    Jucélio sabe cap­tar os aro­mas das per­spec­ti­vas, das vozes que pren­dem o espec­ta­dor nas nar­ra­ti­vas mais ínti­mas, na bus­ca de pro­duzir vários sabores que se aprox­i­mam do pal­adar de Rodol­fo, o coz­in­heiro real, espe­cial­ista em trans­for­mar o Amor num con­jun­to de porções regadas à sal­a­da verde (lev­eza), com um toque de arroz mar­ro­quino (con­sistên­cia), mescla­do com pro­teí­na — entre o salmão e o camarão (ener­gia e tran­qüil­i­dade), fechan­do com um café e choco­late, para não perder o ânimo.

    Nem sem­pre o Amor é vis­to como trân­si­to de liber­dade. Ele tam­bém é con­t­role e dis­ci­plina, como aque­le pote de jujubas que você não pode devorá-lo de ime­di­a­to, mas só pode com­er um, sob o monopólio de uma tuto­ra, que impede o dese­jo de se lam­buzar no açú­car. É o que podemos ver no reina­do de Paula, que percebe o Amor numa lóg­i­ca de jogo e con­t­role – muitas vezes de for­ma tirâni­ca – para ger­ar “fun­cional­i­dade” e medi­da na relação. Para ela, “amar é cas­ti­go. Nada sobre con­t­role, tudo em peri­go. Adoráv­el pen­itên­cia, chicote ami­go. Se chegar a falên­cia, mor­ro con­ti­go”.

    Entre comi­da e con­t­role, temos expec­ta­ti­va e morte, entre risos e timidez, temos a rep­re­sen­tação cêni­ca que faz do Amor um grande espetácu­lo, demar­can­do as fron­teiras entre o real e o dese­jo. Até que pon­to nos é per­mi­ti­do que­brar mais de um pote e saciar nos­sa fome?

    Cada vida aber­ta nos ensi­na que o Amor não é vis­to ape­nas por um ângu­lo, mas vivi­dos em múlti­p­los olhares não-con­tem­pla­tivos, que fazem do sen­ti­men­to um cam­po de exper­iên­cias e tro­ca de sen­si­bil­i­dades, mes­mo que o out­ro não fale sua lín­gua, ou que não con­si­ga viv­er no mes­mo teto. Os amores enquan­to proces­so, fluxo e instru­men­to de redefinição con­stante de cada indivíduo.

    O filme não expõe o Amor enquan­to efe­ti­vação, resul­ta­do final, pre­vis­i­bil­i­dade, o que Jucélio procu­ra é tran­si­tar pelas exper­iên­cias que se colo­cam diante de nós, para com­par­til­har um con­jun­to de visões em proces­so de con­strução, muitas vezes não-ditas no uni­ver­so sen­so-comum, que é vigia­da pela estu­pid­ez da vir­il­i­dade machista, restri­ta ao moral­is­mo tri­un­fante do homem sifil­izador e da mul­her recata­da, enri­je­ci­da pela tradição do cor­po que se fecha para os pos­síveis e impossíveis.

    Para­le­lo às nar­ra­ti­vas, Jucélio explo­ra no filme o uso de leg­en­das para con­tar out­ra história, exigin­do do espec­ta­dor atenção redo­bra­da no cruza­men­to entre o tex­to e as ima­gens. Era uma vez, um príncipe que “só gosta­va de príncipes”, com receio de perder todas as suas riquezas, o príncipe “decide escr­ev­er um dis­cur­so a todo seu reina­do”, um pro­nun­ci­a­men­to que fala do Amor.

    Para rece­ber inspi­ração, o príncipe vai à bus­ca de con­viv­er com pes­soas que com­par­til­havam das mes­mas emoções. As leg­en­das que nar­ram esta história não apare­cem numa ordem defini­da, mas durante todo o filme, dis­per­sas entre as vozes que rev­e­lam seus amores ao espec­ta­dor. As leg­en­das tam­bém são uti­lizadas em algu­mas cenas para acom­pan­har simul­tane­a­mente os depoimentos.

    Quan­do entre­vista Rodol­fo, Jucélio exper­i­men­ta tro­car a voz do depoente pelas leg­en­das, onde a entre­vista é tex­tu­al­iza­da, a par­tir de um corte na cena, para invert­er a relação que o espec­ta­dor man­tinha até então com o filme. Nesse momen­to, quem assiste é tam­bém leitor, ao acom­pan­har a con­ver­sa entre os dois, a par­tir do tex­to disponív­el, silen­cian­do as vozes, ao destacar ima­gens de Rodol­fo no tra­bal­ho, coz­in­han­do, despre­ocu­pa­do com a pre­sença da câmera, que fixa o olhar em seus movi­men­tos quase automáti­cos na cozinha.

    Jucélio Matos, dire­tor do documentário

    Já no final do filme, Jucélio retoma as leg­en­das para con­cluir que o príncipe, ao escr­ev­er seu dis­cur­so, “apron­tou-se ele­gan­te­mente… e desis­tiu. Não havia sen­ti­do em falatório algum. Porque ape­sar de amor rimar tan­to com dor, ele resolveu acred­i­tar no tem­po pre­sente. Inde­pen­dente em qual lado do espel­ho estivesse. E a real­i­dade e ficção viraram assim, um só amor”.

    Seria o príncipe do Doc de Amor uma exten­são de Jucélio? Ou nos­sas exten­sões mais ínti­mas, postas em questão? Para aden­trar neste uni­ver­so que se des­faz com uma névoa bran­ca, que se perde entre as fol­has e o céu, é pre­ciso se per­mi­tir, ati­var todos os poros que ain­da nos restam para con­sumir e ser con­sum­i­do pelos amores que com­par­til­hamos num espaço aber­to-fecha­do-aber­to, num exer­cí­cio con­stante de rein­venção dos con­ceitos que cer­cam o Amor, a fim de torná-lo livre, para degus­tações afe­ti­vas, em quem sabe, efetivas…

    O sol rea­parece, os cor­pos são obri­ga­dos a se sep­a­rar… é hora de ir emb­o­ra para casa… mas, como diz Jorge Maut­ner*, “min­has lágri­mas se acabaram, mas não a von­tade de chorar… só o amor pode matar o medo”.

    Esse é o Doc de Amor, meu Doc de Amor, que Jucélio Matos fez para o mun­do. Por uma história das sensibilidades.

    * Jorge Maut­ner em Ressureições do álbum Revirão (Warn­er Music), de 2007

  • Estou Aqui

    Estou Aqui

    Spike Jonze é um dess­es dire­tores que parece que sem­pre está fazen­do algo fofo para agradar a qual­quer um. Há pouco tem­po foi acla­ma­do por diri­gir o exce­lente clipe da músi­ca The Sub­urbs, do álbum homôn­i­mo, do Arcade Fire e pos­te­ri­or cur­ta-media-metragem Scenes from the Sub­urbs. A car­reira do dire­tor é exten­sa, prin­ci­pal­mente pelo seu bom gos­to na direção de video­clipes e pelos tra­bal­hos geni­ais com o ami­go-par­ceiro Char­lie Kauf­man nos óti­mos Adap­tação (Adap­ta­tion, EUA, 2002) e Quero ser John Malkovich (Being John Malkovich, EUA, 1999).

    O cur­ta-media-metragem Estou Aqui (I’m Here, 2010) é reple­to de ideias já vis­tas em seus tra­bal­hos. Com um sub­tí­tu­lo de Uma história de amor em um mun­do abso­lu­to o enre­do se tra­ta basi­ca­mente da história de amor de dois robôs que vão con­stru­in­do sua relação através de uma doação mútua que os colo­ca num pata­mar até mais sen­sív­el do que os sen­ti­men­tos humanos. Viven­do num mun­do que os robôs coex­is­tem com as pes­soas, onde acabaram gan­han­do muitas car­ac­terís­ti­cas sen­ti­men­tais destes, o casal vai apren­den­do a lidar com as difer­enças do fato de sen­tirem que devem cuidar um do outro.

    Claro que Estou Aqui não surgiu por aca­so, o cur­ta foi cri­a­do em uma parce­ria com a mar­ca de vod­ca Abso­lut, sendo que o dire­tor soube muito bem unir a pro­pa­gan­da com os sen­ti­dos de comoção do espec­ta­dor. O cur­ta pas­sou por alguns fes­ti­vais e foi muito bem rece­bido prin­ci­pal­mente pela estéti­ca cria­ti­va e ao mes­mo tem­po sim­plória que se apre­sen­ta. Lem­bran­do bas­tante o tra­bal­ho do francês Michel Gondry, Estou aqui é um cur­ta tocante onde a vida toma pro­porções fan­tás­ti­cas e sen­síveis, uma bela metá­fo­ra do que se entende por amor.

    httpv://www.youtube.com/watch?v=dy5MufiKTX0&feature=related

    httpv://www.youtube.com/watch?v=uVa07lwhTtU&feature=related

  • Livro: Só Garotos — Patti Smith

    Livro: Só Garotos — Patti Smith

    Alguns livros você lê rap­i­da­mente, mas torce para que demor­em para ter­mi­nar, taman­ha a qual­i­dade. Só Garo­tos (Com­pan­hia das Letras, 2010) de Pat­ti Smith é exata­mente assim. Mais con­heci­da por causa da sua car­reira na músi­ca, Smith sem­pre lidou com diver­sas áreas da arte. Começou escreven­do poe­sias e desen­han­do, a músi­ca veio mais tarde. Em meio a essa jor­na­da, ela con­heceu Robert Map­plethor­pe. É jus­ta­mente sobre a relação entre eles que Pat­ti escreve.

    Nasci­da em 1946, Pat­ti Smith sem­pre soube que seu cam­in­ho seria pelas artes. Aos 21 anos ela se mudou para Nova Iorque para tra­bal­har com o que real­mente gosta­va. Ali, con­heceu Robert, que se tornar­ia sua alma gêmea até a morte dele, em 1989. Os dois começaram uma relação amorosa, mas de inten­so afe­to fra­ter­nal. Jun­tos, escrevi­am, fotografavam e desen­havam. Chegaram a con­hecer grandes artis­tas da época, como Warhol e seus artis­tas da Fac­to­ry, bem como músi­cos (Janis Joplin, Jim­my Hen­drix, entre out­ros) e escritores (Allen Gins­berg e William S. Burroughs).

    A escri­ta de Pat­ti em Só Garo­tos beira o tom con­fes­sion­al, ela rela­ta acon­tec­i­men­tos de sua vida, sem­pre citan­do a influên­cia de Robert. Tam­bém sem­pre faz refer­ên­cia às seus poet­as preferi­dos, como Rim­baud e William Blake. Por se tratar de uma auto­bi­ografia, podemos con­hecer a artista por ela mes­ma. Ape­sar de ser um tex­to verídi­co, ele tam­bém é literário. A auto­ra escol­he bem as palavras e tor­na a leitu­ra bas­tante fluída.

    Um livro bom é aque­le que causa as mais diver­sas sen­sações no leitor. E nesse que­si­to Pat­ti Smith escreve com maes­tria. No iní­cio de Só Garo­tos, ficamos amar­gu­ra­dos com sua bus­ca, depois ficamos felizes com suas con­quis­tas, logo os sen­ti­men­tos caem para uma nos­tal­gia daqui­lo que não vive­mos. Somos ape­nas espec­ta­dores daque­la dor que ela sen­tiu ao perder sua alma gêmea. Robert diz que enquan­to ela car­rega­va a vida den­tro dela, ele car­rega­va a morte. Impos­sív­el não sen­tir uma pon­ta­da de tris­teza, por causa de duas mentes iguais que foram separadas.

    Este livro é recomen­da­do não ape­nas para os fãs, mas para qual­quer pes­soa inter­es­sa­da em uma boa leitu­ra. A tra­jetória de Pat­ti e Robert, em que viven­cia­ram momen­tos de deses­pero e humil­hação, até se tornarem grandes artis­tas, é muito bem descri­ta. Vale lem­brar que Só Garo­tos gan­hou o Nation­al Book Award de não ficção, mere­ci­da­mente. Ao ler o livro, nos sen­ti­mos como se a própria Pat­ti estivesse nos con­tan­do a história, o que tor­na seu livro tão ínti­mo e bem escrito. 

  • Livro: A Morte de Bunny Munro — Nick Cave

    Livro: A Morte de Bunny Munro — Nick Cave

    Nick Cave ini­ciou sua car­reira musi­cal no iní­cio dos anos 70. Ele escreveu letras para suas diver­sas ban­das, entre elas The Birth­day Par­ty, Grin­der­man e os Bad Seeds. Sem­pre foi pos­sív­el notar sua exce­lente incli­nação para a lit­er­atu­ra, mas eis que ele nos pre­sen­teia com um livro chama­do A Morte de Bun­ny Munro (Edi­to­ra Record, 2010).

    Com um humor áci­do, Cave nos leva para a vida de Bun­ny Munro, um homem que vende pro­du­tos de por­ta em por­ta, enquan­to sua esposa depres­si­va fica em casa cuidan­do de seu úni­co fil­ho, Bun­ny Junior. Munro vê sua vida mudar com­ple­ta­mente quan­do, ao chegar em casa, encon­tra o cor­po de sua esposa que havia cometi­do suicí­dio. Após cer­to tem­po de catarse, ele resolve voltar ao tra­bal­ho. Sem ter com quem deixar o fil­ho, os dois saem pelas estradas, no mel­hor esti­lo de On the Road.

    A Morte de Bun­ny Munro é o segun­do livro de Cave e apre­sen­ta uma qual­i­dade literária que fal­ta em mil­hares de escritores que vemos por aí. A estória é muito bem estru­tu­ra­da e nos absorve com­ple­ta­mente. Uti­lizan­do de altas dos­es de iro­nia para se referir à ícones pop (suas refer­ên­cia à Avril Lav­i­gne e Kylie Minogue são sim­ples­mente sen­sa­cionais!), ele nos diverte, ao mes­mo tem­po que nos deixa apreen­sivos para saber o des­ti­no de Bun­ny e de seu filho. 

    A lin­guagem do livro A Morte de Bun­ny Munro é um pouco dura, nada ali é roman­ti­za­do. Mas o destaque mes­mo fica para Bun­ny Junior. Meni­no sen­sív­el e inteligente, ele parece ter mais forças que o próprio pai para poder continuar. 

  • Café Literário: Ruy Castro e Guilherme Fiuza

    Café Literário: Ruy Castro e Guilherme Fiuza

    A Biografia é um dos esti­los literários que mais gera con­tro­vér­sia, prin­ci­pal­mente dev­i­do ao ques­tion­a­men­to sobre em que momen­to está se rela­tan­do fatos ou crian­do uma ficção sobre a vida de deter­mi­na­da per­son­al­i­dade. A par­tir desse tema per­ti­nente foi que Ruy Cas­tro e Guil­herme Fiuza (vis­ite tam­bém o seu blog) dis­cu­ti­ram o tema Biografia: em bus­ca de uma grande história, dia 09 de out­ubro, no Café Literário na edição de 2010 da Bien­al do Livro Paraná.

    Ruy Cas­tro é jor­nal­ista e con­sid­er­a­do um dos maiores biografis­tas brasileiros, ten­do escrito sobre a vida de grandes per­son­al­i­dades como Nel­son Rodrigues e o jogador Gar­rin­cha, além de ter tam­bém obras com tex­tos reunidos. Já Guil­herme Fiuza é jor­nal­ista e bas­tante con­heci­do por atu­ar em col­u­nas sobre políti­ca em jor­nais, revis­tas e por­tais na inter­net. Ficou con­heci­do pelo livro Meu Nome Não é John­ny, sobre a história do traf­i­cante João Guil­herme Estrel­la, que ficou em foco com a adap­tação cin­e­matográ­fi­ca homôn­i­na por Mau­ro Lima.

    A dis­cussão teve como base na aceitação da biografia como Lit­er­atu­ra nar­ra­da em fatos reais, sem nec­es­sari­a­mente ser uma ficção. Ambos os autores reforçaram que o bom bió­grafo é antes de tudo um óti­mo jor­nal­ista e/ou repórter, o definin­do como um facil­i­ta­dor de infor­mações. Afi­nal, um bió­grafo que queira se focar no rela­to da vida de uma per­son­al­i­dade de for­ma con­cisa e atraente, deve estar dis­pos­to a ser um exce­lente pesquisador e saber aproveitar cada infor­mação rece­bi­da em favor do texto.

    Os dois bió­grafos per­me­ar­am o diál­o­go rela­tan­do suas próprias exper­iên­cias na bus­ca de mate­ri­ais e doc­u­men­tos e falaram sobre as for­mas usadas para darem vida a todas as infor­mações. Ruy Cas­tro reforça que cada doc­u­men­to rece­bido por famil­iares e ami­gos é dado como ouro para a pro­dução. Aliás, a família é con­sid­er­a­da muito impor­tante por ambos, mas estes tam­bém podem ger­ar prob­le­mas. Ruy con­ta que uma ver­dadeira biografia não é uma ¨biografia autor­iza­da¨, pois a par­tir do momen­to que o bió­grafo depende de autor­iza­ções, o tex­to vai se tor­nan­do ape­nas o que a família quer con­tar e não o que inter­es­sa aos leitores. Por­tan­to, o papel do bió­grafo é o de sele­cionar fatos impor­tantes e não deixar que eles depen­dam exclu­si­va­mente de terceiros.

    Ape­sar de Ruy Cas­tro e Guil­herme Fiuza serem bió­grafos, con­tem­porâ­neos entre si, dis­cor­dam em relação ao tipo de biografia a escr­ev­er. Ruy acred­i­ta que para uma biografia ser de fato inter­es­sante e per­ti­nente, a per­son­al­i­dade relata­da deve estar mor­ta há algum tem­po, pois acred­i­ta que o ciclo dessa pes­soa deve estar fecha­do. Já Fiuza não acred­i­ta que isso deva ser lev­a­do tão a sério, sendo que o mes­mo escreveu a biografia do humorista Bus­sun­da logo que este fale­ceu e tam­bém a de João Guil­herme Estrel­la, que ain­da está vivo.

    O debate foi inten­so mas infe­liz­mente, os dois autores acabaram se focan­do muito em suas exper­iên­cias com cada obra já escri­ta, o que deixou o debate menos con­sis­tente em relação ao tema ini­cial. Mas ao fim ficou claro que o bió­grafo não depende somente de boas fontes, mas tam­bém de uma exce­lente bagagem cul­tur­al que o per­mi­ta enten­der e decidir que tipo de infor­mações são rel­e­vantes aos leitores. A biografia é um esti­lo literário sim, que trans­for­ma a real­i­dade numa ficção por tam­bém ser rec­hea­da de histórias e per­son­agens que con­stroem uma narrativa.

    O inter­ro­gAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quis­er pode escu­tar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o sue com­puta­dor e ouvir onde preferir.

    Ouça a palestra com­ple­ta: (clique no link abaixo para ouvir ou faça o down­load)

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  • Café Literário: João Gabriel de Lima e Paulo Camargo

    Café Literário: João Gabriel de Lima e Paulo Camargo

    Há muito se dis­cute sobre como faz­er um Jor­nal­is­mo Cul­tur­al sério no Brasil. E pen­san­do em todas essas difi­cul­dades e na real­i­dade cul­tur­al do país foi que João Gabriel de Lima e Paulo Camar­go dis­cu­ti­ram o tema Lit­er­atu­ra e Leitor na Impren­sa, no dia 10 de out­ubro, no Café Literário da Bien­al do Livro Paraná 2010.

    João Gabriel de Lima é jor­nal­ista edi­tor-chefe da redação da Revista Bra­vo! e, Paulo Camar­go é edi­tor do Cader­no G do jor­nal paranaense Gaze­ta do Povo. Ambos os palestrantes tem uma vas­ta exper­iên­cia na área de mídias cul­tur­ais e cal­caram a dis­cussão com a mescla de exper­iên­cias que pos­suem no mer­ca­do edi­to­r­i­al e no setor nacional. Tam­bém apon­taram as pos­síveis alter­na­ti­vas de fomen­tar o atu­al cenário do Jor­nal­is­mo Cultural.

    O paulista edi­tor da Bra­vo! ini­ciou o debate lem­bran­do da for­ma em que o Jor­nal­is­mo Cul­tur­al é trata­do em out­ros país­es, como os Esta­dos Unidos e a Inglater­ra. Os suple­men­tos cul­tur­ais dess­es país­es focam as matérias no leitor, com uma lin­guagem mais colo­quial sem muitos ter­mos téc­ni­cos. João lem­bra tam­bém que a impren­sa cul­tur­al ain­da lida com a her­ança da tradição beletrista, como se o leitor fos­se obri­ga­do a ser um ¨ini­ci­a­do¨ e reduzi­do a um pequeno grupo de intelectuais.

    Já o paranaense edi­tor do Cader­no G reforça a fala de João, ressaltan­do que a cada ano que pas­sa a lit­er­atu­ra de entreten­i­men­to vai se tor­nan­do mais pre­sente. Tam­bém existe sim uma neces­si­dade de se tra­bal­har com o mar­ket­ing que os best-sell­ers trazem, mas que isso tam­bém afas­ta o leitor do restante pro­duzi­do. Para Paulo Camar­go o livro deve se tornar triv­ial de tão cotid­i­ano, lem­bran­do inclu­sive que o hábito de leitu­ra é de pos­sív­el apli­cação no nos­so país, não pre­cisan­do ir muito longe para se obter um exem­p­lo, bas­ta obser­var­mos as políti­cas apli­cadas para ela na Argenti­na, onde o livro é peça fun­da­men­tal de consumo.

    Na dis­cussão surgiu a pau­ta sobre a pos­si­bil­i­dade de o jor­nal­is­mo cul­tur­al ser um bom medi­ador para a for­mação de leitores e quan­to a isso, não hou­ve dúvi­das. Com o enorme número de infor­mações cir­cu­lan­do é quase impos­sív­el que o leitor não se influ­en­cie por meios mais especí­fi­cos, como muitas revis­tas, suple­men­tos e sites, que acabam se tor­nan­do enorme refer­ên­cia em pesquisas. Por­tan­to, surge tam­bém a neces­si­dade da impren­sa repen­sar quais ati­tudes tomar para for­mar e chamar a atenção dess­es leitores.

    Os palestrantes tam­bém dis­cu­ti­ram sobre o que o leitor espera quan­do abre um suple­men­to cul­tur­al, revista e site sobre cul­tura. Hoje, o profis­sion­al que tra­bal­ha com jor­nal­is­mo cul­tur­al deve estar aten­to as novas mídias, sem­pre fazen­do a manutenção da sua bagagem cul­tur­al e, ain­da, estar apto para saber difer­en­ciar qual mate­r­i­al vai para a inter­net e qual será impres­so. Pois ambos os meios são com­ple­mentares e não exclu­dentes entre si ‚afir­ma João Gabriel de Lima. O edi­tor Paulo Camar­go tam­bém acred­i­ta que o leitor quer sim ler mais, ter aces­so a entre­vis­tas e matérias mais focadas em assun­tos especí­fi­cos, e aci­ma de tudo, sente neces­si­dade de ser surpreendido.

    Foi destaque tam­bém a afir­mação de João Gabriel de Lima dizen­do que o jor­nal­ista dev­e­ria se sen­tir cul­pa­do por não dis­sem­i­nar mais a cul­tura e que há uma infinidade de opções para que este tra­bal­he em favor dela, a tor­nan­do mais acessív­el a todos. Assim como da importân­cia da pro­lif­er­ação de feiras que vem surgin­do, para que o livro se torne mais pre­sente na vida do leitor.

    O Café Literário: Lit­er­atu­ra e Leitor na Impren­sa foi de extrema relevân­cia para a reflexão sobre o espaço dado à cul­tura na impren­sa se focan­do na ideia de que é ela a for­mado­ra de leitores e espec­ta­dores. Assim como, tam­bém trouxe a reflexão sobre o profis­sion­al de Jor­nal­is­mo Cul­tur­al, com a per­gun­ta: afi­nal o que é real­mente feito para que a cul­tura seja pre­sentes na vida de todos, em um país como o Brasil?

    O inter­ro­gAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quis­er pode escu­tar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o sue com­puta­dor e ouvir onde preferir.

    Ouça a palestra com­ple­ta: (clique no link abaixo para ouvir ou faça o down­load)

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  • Café Literário: Marçal Aquino e Laerte

    Café Literário: Marçal Aquino e Laerte

    As relações entre Lit­er­atu­ra, Cin­e­ma, TV e Quadrin­hos, hoje, giram em torno da questão da adap­tação. É fre­quente a dis­cussão sobre as for­mas que os meios audio­vi­suais se apro­pri­am da lin­guagem literária. Foi per­me­a­do por essa polémi­ca que o quadrin­ista Laerte e o roteirista Marçal Aquino fiz­er­am um debate medi­a­do por Mar­i­ana Sanchez, dia 06 de out­ubro no Café Literário da Bien­al do Livro Paraná 2010.

    Laerte é car­tunista e um dos maiores quadrin­istas do Brasil, pub­li­ca tiras nos prin­ci­pais jor­nais do país e atual­mente tam­bém no seu site Man­u­al do Mino­tau­ro. Marçal Aquino é roteirista, escritor e jor­nal­ista e assi­na roteiros de filmes como Os Mata­dores e O Cheiro do Ralo. Ambos os con­vi­da­dos tem uma vas­ta exper­iên­cia da imagem como lin­guagem, seja ela no for­ma­to de HQs ou em roteiros para o audio­vi­su­al. Laerte defende mais a Tele­visão e as pro­duções em seri­ados, falan­do muitas vezes que a qual­i­dade da TV não é de todo ruim, já Marçal Aquino é um defen­sor do Cin­e­ma como lin­guagem imagéti­ca e dialo­ga muito sobre a importân­cia da Lit­er­atu­ra para um roteirista.

    A exper­iên­cia de ambos é que pon­tua as duas opiniões durante a dis­cussão. Um dos pon­tos altos do debate acon­te­ceu quan­do o assun­to se situ­ou na adap­tação de livros e quadrin­hos para a tela dos cin­e­mas. Marçal diz que ¨Cin­e­ma é que nem suru­ba, pre­cisa de mais gente para faz­er¨ se con­trapon­do com o ato solitário da escri­ta. Ain­da, diz que essa pre­mis­sa de que o livro é sem­pre mel­hor que o filme é ver­dadeira levan­do em con­ta que as duas lin­gua­gens são com­ple­ta­mente difer­entes e que não há uma neces­si­dade de fidel­i­dade entre os dois, afi­nal ¨tex­to não tem dono quan­do vai ser adap­ta­do para out­ro meio”.

    Para Laerte, não há certeza que o livro seja mel­hor, mas que fre­quente­mente é. Ele cita o filme Uma História sem Fim como refer­ên­cia de adap­tação porque o roteirista teve a sabedo­ria de se lim­i­tar pegan­do ape­nas uma parte da história para que fos­se algo viáv­el. O quadrin­ista comen­ta sobre a adap­tação do seu tra­bal­ho Piratas do Tiête, afir­man­do que Otto Guer­ra é um herói da ani­mação nacional e que o filme não será mais basea­do ness­es per­son­agens, mas sim em tiras feitas nos últi­mos anos, que são mais gerais e sem personagens.

    Laerte lev­an­ta muitas car­ac­terís­ti­cas pio­neiras das HQs que servi­ram de inspi­ração para os esti­los de tomadas no Cin­e­ma. Ambos os palestrantes con­seguiram o tem­po todo com­pro­var com vários ele­men­tos esse diál­o­go que com­põe o tripé Cinema/HQs/Literatura. Marçal tam­bém afir­ma que hoje é quase impos­sív­el ter um roteiro total­mente orig­i­nal, sem refer­ên­cias na lit­er­atu­ra, afi­nal hoje as artes são polifôni­cas e dialogam entre si.

    Out­ro pon­to da dis­cussão foi a questão do papel do artista e da sig­nifi­cação social da palavra Arte. Laerte afir­ma ter difi­cul­dades com ess­es ter­mos e que para ele isso não tem tan­ta importân­cia porque para faz­er quadrin­hos é pre­ciso ape­nas de papel, cane­ta e com­puta­dor, para pesquis­ar ima­gens no google. Marçal tam­bém se mostra pouco inter­es­sa­do em rotu­lações artís­ti­cas, afir­man­do que faz o que real­mente gos­ta e que vê de for­ma favoráv­el ele não viv­er de lit­er­atu­ra, se per­mitin­do escr­ev­er só quan­do tem von­tade ou uma coisa bacana para dizer.

    Marçal final­iza seu dis­cur­so com um grande elo­gio á obra de Laerte, afir­man­do a todos pre­sentes que eles estavam pres­en­cian­do um momen­to muito impor­tante com um grande artista. Além dis­so, chama a atenção para o fato de que os seus quadrin­hos são um dos poucos que podem ser con­ta­dos para out­ra pes­soa, sem pre­cis­ar do apoio visu­al feito pelo desenho.

    Foram muitos os assun­tos per­ti­nentes nesse Café Literário, na Bien­al do Livro Paraná 2010, os três tópi­cos Cinema/HQs/Literatura são muito amp­los, prin­ci­pal­mente quan­do se colo­ca dois artis­tas ampla­mente lig­a­dos nes­sas áreas para debater. O que ficou níti­do é que hoje, em âmbito con­tem­porâ­neo, é prati­ca­mente impos­sív­el uma arte se desven­cil­har de out­ra, por­tan­to há sem­pre a neces­si­dade de dis­cussão de diál­o­go entre elas.

    O inter­ro­gAção gravou em áudio todo esse bate-papo e se você quis­er pode escu­tar aqui pelo site, logo abaixo, ou baixar para o sue com­puta­dor e ouvir onde preferir.

    Ouça a palestra com­ple­ta: (clique no link abaixo para ouvir faça o down­load)

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