Arranjar um novo emprego, ajudar a pagar o aluguel e as contas da casa, estudar pras provas no colégio, aceitar o novo namorado da mãe dentro da família. Esses são os problemas de Malu.
Malu não tem super-poderes, não precisa salvar o mundo, não teve uma experiência traumática, não vive uma grande história de amor. Ela é a menina que te atende no caixa do supermercado, é a menina que distribui folhetos nos sinais de trânsito.
Essa é a protagonista do álbum Folheteen: direto ao ponto, escrito pelo curitibano José Aguiar. E a cidade de Curitiba se faz presente em toda a história, nos detalhes dos lambrequins, prédios, pontos de ônibus. Ainda assim, não é uma história bairrista. A moça Malu poderia morar em qualquer cidade. O forte do álbum é essa narrativa despretensiosa e adorável sobre essa menina absolutamente comum.
A trama de Folheteen começa quando a protagonista perde seu emprego no supermercado. A partir disso, acompanhamos as dúvidas e preocupações de Malu, tentando ajudar a manter sua casa, equilibrando estudos com sua vida pessoal. Ela precisa resolver problemas dentro de sua família e, principalmente, problemas dentro de si mesma.
Os personagens no traço de José Aguiar ganham uma forte expressão gráfica em linhas geométricas e formas simples. O estilo de desenho ajuda na narrativa que flui de maneira natural e aumenta ainda mais a sensação de “cotidiano”.
Trata-se de um trabalho honesto, muito bem realizado e cheio de humanidade. O acabamento gráfico do álbum é belíssimo e ainda apresenta um texto sobre a carreira profissional do autor e a gênese de sua obra.
Folheteen: direto ao ponto foi lançado agora, em de junho de 2013, e pode ser encontrado nas livrarias e comic shops com preços variando entre R$40,00 e R$49,00. Você também pode adquirir um exemplar direto com o autor, autografado, pelo e‑mail projeto.quadrinho [arroba] gmail [ponto] com.
Folheteen: direto ao ponto
Autor: José Aguiar
Editora: Quadrinhofilia
Preço: Entre R$ 40,00 e R$49,00
Lançada esse mês, essa edição de 232 páginas reúne um grande apanhado de diversas histórias publicadas pelo selo Vertigo, da editora norte-americana DC Comics. A maioria são histórias curtas, de 8 páginas em média, falando sobre fantasia e ficção científica. Mas há aquelas que fogem desse tema.
Atire é uma delas e recebe grande destaque, sendo capa da edição. A história, protagonizada pelo mago John Constantine, causou muita polêmica. Ela foi completamente censurada na época de sua realização, em 1999, e só veio a ser publicada em 2010.
A trama de Atire mostra uma investigadora do congresso norte-americano tentando compreender o porquê de uma série de matanças que aconteciam nas escolas do país. Crianças e adolescentes que matavam outros e se suicidavam. Seria culpa de videogames, drogas, violência na tv? Durante a investigação, a mulher percebe a presença de Constantine em muitas filmagens feitas em cenários de diversos crimes. A princípio isso levaria o leitor, que acompanha as histórias do personagem, a imaginar que os assassinatos seriam causados por forças sobrenaturais. Mas o real motivo das mortes que John Constantine sugere é muito mais perturbador e corriqueiro. A conclusão da história é impactante.
Recorte de uma das páginas de “Atire”
Atire foi escrita e estava prestes a ser publicada quando aconteceu o massacre em Columbine. A editora DC Comics sugeriu alterações na história, que o autor Warren Ellis não aceitou. Então, a editora decidiu simplesmente não publicar e arquivou o material. Inconformado, Ellis demitiu-se.
Embora Atire seja a principal atração, a melhor HQ da revista é Mate seu namorado, um dos roteiros mais inspirados e instigantes do escocês Grant Morrison. A mais longa história apresentada nessa edição, com 56 páginas, Mate seu namorado não tem nada a ver com fantasia ou ficção científica. Trata-se de uma trama sobre amor, violência, rebeldia e adolescência, que lembra um bocado filmes como Assassinos por Natureza (1994).
Recorte de uma das páginas de “Mate seu namorado”
Vertigo Especial: Atire apresenta diversos autores e desenhistas renomados em suas páginas, como Morrison, Ellis, Brian Azzarello, Garth Ennis, Peter Milligan, Jim Lee, Frank Quitely, Brian Bolland, Jeff Lamire, Eduardo Risso e muitos outros.
Como toda coletânea, há histórias fracas, porém a média do material apresentado é ótima. Vale conferir com atenção as HQs Parceiros, Ultra: o multialien, Brinquedos Novos, O Kapas… Enfim, trata-se do lançamento com a melhor relação qualidade/custo do mês.
Vertigo Especial: Atire
Autores: diversos
Editora: Panini
Preço: R$19,90
A Frequência Global é uma força-tarefa não governamental, independente, composta por 1001 agentes. Miranda Zero, a líder do grupo, e Aleph, a moça que coordena a comunicação da equipe, são as únicas personagens constantes nas histórias. O elenco da equipe principal, assim como os próprios desenhistas da série, não se repete nunca.
A partir dessa premissa, Warren Ellis cria 12 episódios que podem ser lidos em qualquer ordem. São histórias fechadas que versam sobre diversos temas, ancorados em ideias contemporâneas sobre sistemas de informação e tecnologia. Frequência Global lembra um pouco o espírito do seriado Arquivo X, com a equipe reunindo-se para resolver situações extraordinárias.
Cada caso requer uma habilidade específica e sempre há urgência na ação. Assim, uma bomba escondida em Londres pede uma especialista em le parkour para encontrá-la a tempo, uma invasão alienígena via um vírus cognitivo deve ser combatida por uma especialista em linguística, e por aí vai.
Como cada missão requer um tipo de agente e não há necessariamente um protagonista fixo, nunca se sabe se o personagem que acompanhamos conseguirá cumprir sua missão ou chegar vivo ao final da história.
O roteirista Warren Ellis
Além do ritmo acelerado e da ação constante, Warren Ellis enriquece suas tramas apresentando conceitos tecnológicos instigantes e explorando-os dentro de uma ficção fantástica.
A série foi escrita entre 2002 e 2004 e muitas das ideias tecnológicas abordadas por Ellis já não impressionam mais. Ainda assim, vale acompanhar pelos outros méritos da série, como o roteiro instigante e as criativas situações.
O grande mérito de Frequência Global é a valorização do trabalho coletivo. É a coletividade, a cooperação e a diversidade de seus agentes que permite atingir soluções para os problemas mais terríveis e emergenciais.
Frequência Global — Volumes 1 e 2
Autores: Warren Ellis (roteirista) e diversos desenhistas
Editora: Panini.
Preço: R$ 39,90 (volume 1) e R$42,00 (volume 2)
Essa história em quadrinhos mostra um mundo muito, muito parecido com o nosso. A principal diferença é que nele o maior best-seller de fantasia não é Harry Potter, mas um garoto bruxo chamado Tommy Taylor. Ao invés de enfrentar Voldmort, o inimigo é Conde Ambrósio. No lugar de uma coruja, temos um gato com asas.
O autor Wilson Taylor escreveu 13 livros com as aventuras de Tommy e então desapareceu misteriosamente. Seu filho, Tom Taylor, jamais descobriu o que aconteceu ao pai. Hoje, Tom ganha a vida participando de convenções, autografando pôsteres e livros e tirando retratos com a legião de fãs do personagem que inspirou.
Tudo vai muito bem até que aparece uma moça que tenta convencer Tom de que ele não é bem quem pensa que é.
Essa é a premissa de O Inescrito, série de quadrinhos que começou a ser lançada no Brasil esse ano e que se encontra em seu segundo volume. Os autores baseiam-se claramente na obra de J.K. Rowling, mas com outra abordagem. Ao invés de falar de mágica, eles querem falar de literatura e ficção.
À medida que se acompanha as aventuras de Tom Taylor, percebemos que a história é fantástica, mas baseia-se na força das ficções, dos personagens inventados. Partindo da premissa que algo não precisa ser real para ser verdadeiro (e vice-versa), os autores apresentam uma trama instigante onde os mistérios do destino de Wilson Taylor, de uma sinistra organização secreta e de um mapa com os locais de livros e ficções se misturam e prendem a atenção do leitor.
Além do bom ritmo e do suspense, as referências à literatura, cultura pop e mídias são excelentes e dão uma dimensão dinâmica e extremamente contemporânea à história. Vale muito a pena conhecer e acompanhar a trajetória do senhor Tom Taylor.
O Inescrito
Autores: Mike Carey (roteiro) e Peter Gross (desenhos)
Editora Panini
Preço: R$ 18,90
No começo da década de 1990 a editora Marvel tentou lançar uma nova versão de alguns de seus personagens mais populares. Imaginando um mundo futurista, cheio de elementos tecnológicos de ficção científica e uma sociedade com um forte legado cultural dos super-heróis, o selo “2099” chegou às bancas com quatro títulos apresentando versões do Justiceiro, Dr. Destino e Homem-Aranha. O quarto título era um personagem inédito chamado Ravage. Mais tarde, diversos outros personagens entraram para o universo 2099: X‑Men, Hulk, Motoqueiro Fantasma.
Essas versões futuristas foram publicadas nos Estados Unidos entre 1993 e 1996. No Brasil, a série fez bastante sucesso. Dentre todos os títulos, o mais popular era o Homem-Aranha. Mas ele não tinha muito a ver com o Peter Parker que conhecemos hoje. Em 2099, o Homem-Aranha era um cientista, empregado de uma grande corporação, chamado Miguel O’Hara. Geneticista, ele se inspira no herói dos nossos dias para criar um novo tipo de ser humano, capaz de escalar paredes e dar saltos de 15 metros.
Como toda boa história de super-herói, O’Hara é vítima de um acidente no laboratório que, ao invés de matá-lo, lhe confere superpoderes. Esse Homem-Aranha do futuro possui garras nas pontas dos dedos e com elas é capaz de escalar paredes, além de rasgar inimigos. Também é capaz de produzir organicamente a própria teia, produz veneno, é sensível à luz. Enfim, é muito mais “aranha” do que o Homem-Aranha atual.
O grande atrativo desse gibi é o roteiro de Peter David. Ele cria uma sequência de histórias alucinante, onde o pobre Miguel O’Hara vai saindo de uma encrenca para entrar em outra pior ainda num ritmo frenético. Mas o melhor são os diálogos. Peter David dá a Miguel O’Hara um senso de humor sensacional, mordaz, cínico. É difícil não rir ao ler as histórias. Além disso, o roteirista também não leva a sério a história como um todo: sempre há espaço para uma piada, para uma brincadeira ou uma situação engraçada.
Homem-Aranha 2099 é lançado como encadernada, que reúne as 10 primeiras histórias do personagem publicadas em 1993 e 1994. É boa, despretensiosa e pura diversão.
Homem-Aranha 2099
Autores: Peter David (roteiro) e Rick Leonardi (arte)
Editora: Panini.
Preço estimado: R$ 22,90
Quem nunca deu suas cabeçadas por causa de amor? Quem não meteu os pés pelas mãos, fez confusão, quem nunca teve dor-de-cotovelo? Quem acredita em amor?
Se essas perguntas mexem com você, Valente para todas é um livro de quadrinhos que vai te agradar em cheio. Valente, Dama, Bu, Princesa e outros personagens parecem apenas mais um punhado de bichinhos fofinhos, mas quando começar a ler as aventuras dessa turma vai perceber que ali tem muito mais do que fofura.
O autor, Vitor Cafaggi, recria com esses simpáticos personagens situações com as quais que todo mundo que já foi adolescente apaixonado (ou apaixonada) vai se identificar. Seu texto é ótimo, os diálogos são cativantes e a trama, baseada em um inusitado triângulo amoroso, não deixa largar o livro antes do fim.
As histórias tem o formato de tiras em quadrinhos, que funcionam muito bem quando reunidas em um só livro, mantendo coerência e continuidade.
Valente para todas é o segundo volume de uma série, dando continuidade às histórias de Valente para sempre. Graças a uma boa apresentação resumindo os eventos anteriores, é perfeitamente possível ler e se envolver com as desventuras do cãozinho.
Cafaggi pretende fazer uma série com cinco livros contando a saga de Valente. O final do segundo volume deixa o leitor ansioso pela continuação.
Também é possível conferir todas as aventuras do personagem no blog do autor, que disponibiliza semanalmente atualizações das aventuras de Valente.
Para adquirir Valente para todas, entre em contato direto com o autor por e‑mail (vitorcafaggi [arromba] gmail [ponto] com) ou acesse o site da Comix , onde estão disponíveis os dois álbuns da série.
Valente para todas
Autor: Vitor Cafaggi
Publicação independente.
Preço: R$ 12,00
Ignazio era irmão gêmeo idêntico de Asterios Polyp, mas morreu durante o parto. Sua ausência foi sentida pelo sobrevivente durante toda sua vida e é justamente esse gêmeo fantasma que narra essa história fabulosa sobre arte, caos e ordem.
O autor Dave Mazzucchelli trabalhou nesse livro durante 10 anos. Durante os anos 80 desenhou alguns clássicos dos quadrinhos de super-heróis, como Batman – Ano Um e Demolidor – A Queda de Murdock. Ao longo dos anos 90 dedicou-se à produção de diversas histórias em quadrinhos alternativas. Asterios Polyp foi sendo desenvolvido lentamente, enquanto Mazzucchelli lecionava na School of Visual Arts de Nova York. E, de fato, é a obra-prima do autor.
Asterios Polyp é uma ironia viva. Um brilhante arquiteto que foi consagrado no meio acadêmico graças à inovação e ousadia de seus projetos, que, apesar de geniais, jamais foram construídos.
Mazzucchelli explora ao máximo a linguagem dos quadrinhos, brincando com recursos gráficos como cor e estilos de desenho para ampliar a gama de significados que permeiam a história. O design da edição é belíssimo e todo detalhe tem função narrativa.
Polyp interage com diversos personagens interessantes, cada um interpretando uma perspectiva sobre a vida, a arte, o caos e a ordem. Para cada personagem foi desenvolvida uma caligrafia especial para caracterizar suas falas.
Ao mesmo tempo em que aborda diversas ideias e abre portas para muita discussão e reflexão, o livro não é em nenhum momento pedante ou modorrento. A narrativa flui e os personagens cativam o leitor. Além de Asterios, a adorável Hana, a excêntrica Ursula e o vaidoso Willy Ilium se destacam.
Trata-se de uma obra espetacular, plena de significados e leituras, que conquistou a crítica ao redor do mundo e estabeleceu um novo patamar de qualidade para as chamadas graphic novels.
Quem quiser se aprofundar um pouco mais na obra, veja também este post no meu blog que escrevi sobre ele.
Asterios Polyp
Autor: David Mazzucchelli
Editora: Quadrinhos na Cia.
Preço estimado: R$ 63,00
Roger Cruz trabalhou muito tempo como desenhista de gibis de super-heróis. X‑men, Hulk, Motoqueiro Fantasma. Mas em 2009, entre um trabalho e outro, Cruz arranjou tempo pra fazer uma série de histórias com um estilo de desenho, enredo e espírito completamente diferentes do modelo do super-herói.
O álbum Xampu reúne essas histórias que falam sobre pessoas comuns, jovens e adolescentes, em São Paulo no final da década de 1980. Pra quem viveu essa época, o álbum tem um sabor de nostalgia delicioso. São detalhes nos desenhos: cartazes, capas de LP, livros…
Mas o mérito maior do livro não está na nostalgia e sim na maneira envolvente como são narradas as desventuras de seus protagonistas. Difícil não se identificar com as incertezas e paixões que movem essa turma. Cruz consegue criar personagens que cativam o leitor, que se tornam importantes e que permanecem na memória.
As histórias são relativamente independentes umas das outras, embora possuam cronologia e um elenco principal estável, todos jovens, de uma periferia. Tudo gira em torno do apartamento do edifício número 78, onde o Sombra, Max, Nicole, Pedrão e mais uma galera se “mocosavam” pra curtir um som, drogas e amassos.
O estilo rock&roll, cabelo comprido, calças jeans, jaqueta de couro, tatuagens, bebidas, sexo… A vida dos personagens vai se construindo em torno disso e acompanhamos trajetórias que nem sempre terminam em finais felizes.
A capa do álbum mostra um disco de vinil e brinca com a ideia de que não apresenta histórias, mas sim “faixas”, “canções” que recebem nomes como “Xampu Generation”, “O Sombra”, “Raquel”, “Max & Nicole” e outras. Há também uma “faixa bônus: UnPlugged”: uma sessão cheia de esboços e testes de estilos de desenho.
É um trabalho excelente, com uma narrativa cativante, ótimos desenhos e histórias.
Lançado em 2010, o álbum ainda pode ser encontrado nas livrarias e comic shops. O autor fez um post em seu blog com várias fotos de originais e também criou um blog oficial da HQ.
Desenhos originais e ferramentas de trabalho do autor
Xampu
Autor: Roger Cruz
Editora: Devir
Preço estimado: R$ 29,50
Uma história em quadrinhos que usa apenas imagens e nenhuma palavra. Ou melhor, nenhuma palavra em idioma conhecido. Vemos textos em caracteres imaginários, letras fantásticas incompreensíveis que acabam se tornando parte das imagens.
Isso é um artifício narrativo do autor Shaun Tan, que pretende criar no leitor a sensação do protagonista da história: ser imigrante em um país completamente estranho, de cultura praticamente alienígena.
A arte do álbum é embasbacante, magnificamente desenhada a lápis. As imagens procuram reproduzir fotografias antigas que retratavam a chegada de estrangeiros à América no começo do século XX.
Há todo um clima de nostalgia, mas o tempero especial do álbum é a fantasia. Nesse novo país, o nosso protagonista toma contato com estranhas criaturinhas que parecem Pokémons, com hábitos e estruturas de trabalho radicalmente diferentes das que conhecia e, principalmente, com outros estrangeiros como ele, que vieram de lugares ainda mais estranhos com histórias comoventes e surpreendentemente reais.
A Chegada é uma belíssima obra sobre diversidade e solidariedade. Com suas silenciosas imagens em tom de sépia, está cheia de sons, histórias, cores e vida. Shaun Tan compôs uma história cheia de poesia e sensibilidade, marcada por elementos fantásticos que parecem simultaneamente estranhos e familiares. Uma história sobre pessoas tão diferentes e ao mesmo tempo com tanto em comum.
A Chegada
Autor: Shaun Tan
Editora: Edições SM
Preço estimado: R$48,00
Imagine uma mistura insana de Robocop com A Incrível Jornada e pitadas de Matrix. O resultado disso é We3 – Instinto de Sobrevivência.
De A Incrível Jornada vêm um trio de bichinhos: um cachorro, um gato e um coelho. Animaizinhos de estimação que são roubados de seus donos pelo exército para participar de um projeto militar secretíssimo.
Daí vem a parte do Robocop: os três são transformados em ciborgues, máquinas de matar extremamente sofisticadas e se envolvem em sequências de ação cheias de violência sanguinolenta.
De Matrix vem os experimentalismos ousados: uma disposição de quadrinhos e páginas que fazem lembrar toda a revolução do bullet time, mas transposta agora para a linguagem dos quadrinhos. São páginas em que o sentido de percepção de tempo dos animais é representado através da disposição de quadrinhos que invocam multiplicidade de leituras e exploração da terceira dimensão na página.
transposição do bullet time para a linguagem dos quadrinhos
We3 é uma história alucinante que combina de maneira magistral ação, violência e ternura. Ternura porque é impossível não criar empatia pelo sofrimento e destino dos protagonistas. Mesmo com as alucinantes sequências de ação, há diversos momentos e detalhes que dão um aperto no coração, como os cartazes dos animaizinhos perdidos.
Apesar de tudo eles ainda são animais que necessitam de cuidado e carinho
Essa edição ainda tem uma porção de extras bem bacanas, com comentários do roteirista Grant Morrison e do desenhista Frank Quitely sobre os bastidores dessa HQ. Simplesmente imperdível.
We3 – Instinto de Sobrevivência
Autores: Grant Morrison (roteiro) e Frank Quitely (arte)
Editora: Panini
Preço estimado: R$45,00
O melhor a fazer para aproveitar ao máximo esse filme é se informar o menos possível a respeito de sua história. Quanto menos souber, maiores serão as surpresas.
Não que o último filme da trilogia dirigida por Christopher Nolan dependa apenas das reviravoltas e revelações do roteiro. Existem outros méritos que tornam o filme muito atraente. O presente texto pretende, sem revelar elementos do enredo, justamente apontar esses méritos.
Batman: o Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Night Rises, USA, 2012) é uma continuação direta de seus antecessores. Há muitas menções e consequências dos eventos ocorridos nos dois filmes anteriores. Trata-se de uma verdadeira conclusão, como se os três filmes formassem uma única história, de modo muito semelhante a trilogias como O Senhor dos Anéis e De Volta para o Futuro.
Batman é um personagem de histórias em quadrinhos que há muito tempo tornou-se um mito da cultura pop. Ao longo de mais de 70 anos de existência, teve inúmeras abordagens e concepções em diversas mídias. A série sessentista com Adam West, os filmes de Tim Burton, peças de teatro, contos literários, milhares e milhares de páginas de quadrinhos.
Mesmo no universo dos quadrinhos, parece que existem diversos “batmen” diferentes. O protagonista da famosa história O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, é um bocado diferente do Batman do final da década de 1950 (que contracenava com personagens como o Batcão e o Batmirim).
O que Christopher Nolan fez em sua trilogia foi criar uma nova abordagem para o homem morcego. Embora tenham muitos elementos e personagens retirados dos quadrinhos, Nolan tomou diversas liberdades na transposição e construção de seu universo fictício. Portanto, os fãs podem se divertir encontrando as referências e alusões às histórias em quadrinhos originais, mas não há necessidade de ser um leitor familiarizado com os quadrinhos para apreciar os filmes.
Um exemplo é o Coringa. A versão dos quadrinhos tem a pele branca e cabelos verdes alterados por um acidente químico, comete crimes visando dinheiro, é um bocado histriônica e está constantemente rindo e tagarelando piadas. Já no filme, o personagem interpretado por Heath Ledger usa maquiagem, tem cicatrizes em forma de um sorriso, mas não ri o tempo todo. Comete crimes, mas não pelo dinheiro. Sua verdadeira intenção é tentar corromper as pessoas, fazê-las passar por cima de seus princípios e limites morais.
Nolan vai transformando o material dos quadrinhos e adaptando‑o para um sistema narrativo onde os personagens ganham outras dimensões e significados. A intenção é criar uma história de super-herói de uma perspectiva “realista”, mas ainda assim encontramos alguns absurdos, típicos das histórias de super-heróis. Por exemplo, a arma de micro-ondas do primeiro filme ou a reconstituição da bala com impressão digital do segundo.
Esse terceiro filme também apresenta uma certa quantidade de absurdo. Entretanto, talvez com a experiência adquirida no filme A Origem, Nolan transforma esse absurdo em algo como uma atmosfera onírica. Em muitos momentos Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge tem um jeito de sonho. Há uma série de elementos que acabam ganhando um aspecto simbólico. São lapsos de tempo, cenários e situações que passam um estranho clima de irrealidade ao mesmo tempo em que o roteiro despeja uma enorme quantidade de informações e personagens sobre o espectador.
Entretanto, essa sensação de irrealidade é entremeada por eventos desagradavelmente verossímeis. À luz da tragédia ocorrida durante a exibição do filme em Denver, é muito perturbador ver uma cena em que os vilões tomam de assalto pessoas em seu local de trabalho. A representação da violência quebrando o cotidiano é brutal e assustadora.
São diversos personagens que vão conduzindo a trama, mas sem dúvida o grande protagonista é Bruce Wayne (Christian Bale). Através dele Nolan tece uma série de considerações sobre culpa, responsabilidade, apatia, revolta, determinação e fracasso.
A exemplo do que fez com o Coringa, Nolan também transforma Bane (Tom Hardy) em algo muito mais impactante na tela do cinema do que era nas páginas de quadrinhos. Embora muito mais ameaçador e poderoso que o Coringa, Bane não tem o mesmo carisma que seu antecessor. Ainda assim, isso não compromete o resultado do filme.
Selina Kyle (Anne Hathaway), a Mulher-Gato, talvez seja a personagem mais fiel à sua versão em quadrinhos: uma ladra esperta, carismática e completamente imprevisível.
E ainda encontramos os velhos conhecidos Lucius Fox (Morgan Freeman), Alfred Pennyworth (Michael Kane) e James Gordon (Gary Oldman), além de novos rostos como Miriam Tate (Marion Cotillard) e o detetive John Blake (Joseph Gordon-Levitt).
Christopher Nolan orquestra todo esse pessoal em meio a um roteiro intrincado, construindo o capítulo final de sua obra e dando a impressão de que tudo tinha sido planejado desde seu início, em 2005, com Batman Begins.
Por isso é difícil comparar Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge com os outros dois grandes filmes de super-heróis do ano: Os Vingadores e O Espetacular Homem-Aranha. Os dois apresentam um universo fictício mais leve e simples, cheio de cor e de possibilidades fabulosas, como transformações físicas, voos, super-força. Mas, além disso, esses filmes são claramente projetados visando mercado e envolvem uma série de profissionais. O controle que a Warner deu a Nolan sobre os rumos da sua trilogia de Batman conferem aos filmes uma característica quase que de trabalho autoral.
E assim o Batman termina, mas de uma maneira muito interessante. Quando o filme acaba, o que se tem é o fim de um ciclo e a abertura de diversas possibilidades que podem ser seguidas. Inclusive a de deixar as sombras para trás e tentar aproveitar um pouco a luz que resta do dia.