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Rurouni Kenshin (2012), de Keishi Ohtomo | Crítica
Live-action surpreende e conquista público de um dos animes/mangás de maior sucesso no mundo
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Depois do fiasco de Dragon Ball: Evolution (2009), uma adaptação pavorosa da franquia Dragon Ball, a apreensão em torno do que poderiam fazer com o anime/mangá Rurouni Kenshin era intensa e real. Um dos maiores sucessos japoneses do gênero, a série de mangá “Rurouni Kenshin: Crônicas de um Espadachim da Era Meiji” foi criada pelo artista Nobuhiro Watsuki em 1994, e uma versão em anime foi lançada dois anos depois, alcançando um sucesso estrondoso. No Brasil, a saga do espadachim andarilho ficou conhecida como Samurai X, uma alusão à cicatriz que Kenshin carrega no rosto, e que ainda hoje faz a cabeça de muita gente. Por isso, seria uma desagradável surpresa ter essa série despejada na lama, exatamente como aconteceu com Dragon Ball.
Capa do mangá lançado pela Editora JBC
Felizmente, a adaptação japonesa em live-action da saga do “andarilho coração de espada” surpreendeu até mesmo os mais céticos, unindo fidelidade e originalidade na mesma metragem. O cenário, contexto histórico, personagens e diálogos da versão original podem ser facilmente identificados no filme Rurouni Kenshin: Meiji Swordsman Romantic Story (2012), do diretor Keishi Ohtomo, lançado em agosto do ano passado nos cinemas japoneses, sendo um grande sucesso de bilheteria, crítica e público. Por motivos que desconheço – e prefiro nem soltar palpites –, os brasileiros não receberam o filme nas salas de cinema, razão que impulsionou os amantes da série a “adquirir” o DVD, que foi lançado no final de dezembro.
O longa conta a trajetória do andarilho Kenshin Himura que, cansado da vida de assassino que levava – e que o fez ficar conhecido como o lendário Battousai – o Retalhador –, decide sair de forma errante, sem paradeiro ou destino, carregando uma cicatriz em forma de X no rosto. Kenshin toma essa decisão após a Batalha de Toba-Fushimi, fato verídico na história do Japão e que foi crucial para a derrota decisiva do Shogunato Tokugawa, força que o Battousai combatia. Esse sangrento período marca o final do feudalismo de Tokugawa e o início da Era Meiji, caracterizada por um processo de modernização política e social.
Takeru Sato como o samurai Kenshin Himura
Transcorridos dez anos dessa batalha, a lenda da carnificina do espadachim retorna viva e intensa, pois uma série de mortes violentas é atribuída ao Battousai, suspeito de espalhar sangue e terror em Tóquio. No decorrer desse tempo, o andarilho Kenshin (Takero Sato) conhece a destemida Kaoru Kamiya (Emi Takei), herdeira de um dojo de kendo deixado por seu pai, e a partir de um fato inusitadamente perigoso – que não vou mencionar para não gerar spoiler -, o destino aproxima ambos.
Kaoru Kamiya (Emi Takei) e Kenshin (Takero Sato)
O live-action faz uma mistura bem elaborada de acontecimentos presentes na história original, sem focar em pontos específicos, permitindo uma linha de raciocínio geral, e não direcionada somente aos já “iniciados” no enredo. A trama também apresenta outros personagens já consagrados no anime/mangá, como Hajime Saitou (Yōsuke Eguchi) – combatente destemido, frio e de presença extremamente marcante, que comandou o batalhão do antigo regime na Batalha de Toba-Fushimi; o divertidíssimo Sanosuke Sagara (Munetaka Aoki), lutador de rua que ostenta uma espécie de “topete-crista-de-galo” bem curioso; o estridente Yahiko Myojin (Taketo Tanaka), órfão e estudante do dojo, e a bela Megumi Takani (Yu Aoi), descendente de uma família conceituada de médicos e que se vê forçada a trabalhar para um rico traficante local na fabricação de ópio.
O destemido Hajime Saitou (Yōsuke Eguchi)
O traficante em questão é Kanryu Takeda (Teruyuki Kagawa), responsável pelas cenas hilárias e excêntricas do filme, que começam pela sua cara, uma cópia descarada do pasteleiro Beiçola, do seriado global “A Grande Família”. Apesar de ter lido algumas críticas ao imenso espaço reservado a Takeda no filme, um personagem citado por alguns fãs como “ridículo e fraco”, eu achei que foi uma boa opção dar esse ar mais engraçado à trama, já que não desqualifica em nada o curso dos acontecimentos, bem como a apresentação dos três grandes espadachins presentes no live-action: Kenshin Himura, Hajime Saito e Jin‑E Udou, este último interpretado pelo ator Koji Kikkawa. No fim da Era dos Samurais, esses três destemidos sanguinários ficaram sem espaço e tiveram que procurar novos caminhos, já que a antiga prática não era vista com bons olhos na nova reforma política. Kenshin se tornou um andarilho com muito amor – e culpa — no coração, Saitou passa a ocupar um cargo no departamento de polícia do governo e Jin‑E vira um mercenário contratado pelo crime organizado.
Teruyuki Kagawa como o hilário Kanryu Takeda
O filme não tem efeitos especiais espalhafatosos, pirotecnia ou algo do tipo. Em contrapartida, a fotografia e a trilha sonora são excelentes, dando uma aura especial às cenas e interpretações. Achei muito interessante o fato de terem usado uma trilha sonora diferente da utilizada no anime, possibilitando a criação de uma identidade própria e longe de cópias puristas e limitadas. Assinada por Naoki Sato, o track-list é inconfundível, com destaque para a lindíssima “Hiten” (algo como “voando no céu”)!
A escolha do elenco foi acertada e, de certa forma, surpreendente. Confesso que assim que comecei a assistir, pensei que o intérprete de Kenshin, Takero Sato, fosse quebrar ao meio de tão magro! Mas o magérrimo ator foi uma das surpresas do filme, conseguindo transpor para a tela todo o sentimento de solidão, opressão e angústia do ex-retalhador. Outro ponto alto está com a atuação primorosa de Yōsuke Eguchi na pele do inabalável Saitou. Os desfalques ficam com a interpretação de Emi Takei, dando à Kaoru uma feminilidade e obediência que ela não possui, e a lacuna deixada pela ausência do vilão Shishio Makoto, o mais implacável dos inimigos do andarilho Kenshin. Também acho que a relação de amizade entre Kenshin e Sanosuke deveria ser mais explorada, pois ficou meio solta no ar e mesmo no momento em que os dois lutam lado a lado — nas cenas finais do filme -, não dá para acompanhar de onde aquele entrosamento surgiu.
Personagens do filme e seus respectivos personagens do anime/manga
Ao que tudo indica, a saga vai ter continuação. Quem sabe os personagens secundários tenham mais espaço, Shishio dê o ar da graça e Kaoru seja mais Kaoru e menos Amélia.
P.S: Esse texto foi escrito com a preciosa colaboração de Rafaela Torres, psicóloga, gamer e amante do universo anime e mangá.
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