Contos Plausíveis, de Carlos Drummond de Andrade | Livros

Em con­tos rápi­dos e certeiros, o absur­do encon­tra ressonân­cia no real

contos-plausiveis-capaSe o assun­to é poe­sia brasileira, o primeiro nome que nos sacode a mente e pula dire­to para a lín­gua, sem pes­tane­jar, é o de Car­los Drum­mond de Andrade. Poeta mineiro nasci­do em 1902, Drum­mond virou sinôn­i­mo indis­cutív­el de arte poéti­ca, traduzi­do em diver­sos país­es e rev­er­en­ci­a­do como um dos maiores gênios que o Brasil teve o praz­er de ger­ar. Feito de memórias, iro­nias e del­i­cadezas, o tra­bal­ho do poeta tam­bém envere­dou pela prosa de ficção, mes­mo que em menor número. O livro Con­tos Plausíveis, lança­do pela edi­to­ra Com­pan­hia das Letras em 2012, traz uma amostra da capaci­dade de Drum­mond em cri­ar fábu­las do cotid­i­ano, cir­cu­lan­do pelas ruas da cidade e estrad­in­has do inte­ri­or, entre o ontem, o hoje e o depois.

Rápi­dos, certeiros e peque­nas chaves de bol­so, ess­es “con­tos plausíveis” foram escritos para o lendário Jor­nal do Brasil, a par­tir do final dos anos 60, e pub­li­ca­dos em uma peque­na tiragem em 1981, fora de com­er­cial­iza­ção. O caráter de ane­do­ta e fina iro­nia fazem dos con­tos uma diver­são à parte, como se o “poeta maior” (títu­lo que Drum­mond, em toda a sua humil­dade e timidez, não recon­heceu), estivesse ali, silen­cioso e ubíquo, pron­to para con­tar o que viu e ouviu, fazen­do jus à tradição oral.

Drummond ao lado da mulher e filha

Drum­mond ao lado da mul­her e filha

São mais de cem con­tos onde o leitor pode se recon­hecer até mes­mo na lin­guagem do absur­do. A maio­r­ia deles trazem situ­ações fan­tás­ti­cas, provo­can­do cer­to sus­to em um primeiro momen­to. Afi­nal de con­tas, uma mul­her que tro­ca de cabeça todo dia? Ani­mais com com­por­ta­men­to demasi­ada­mente humano? Um homem otimista que escapa de uma enx­ur­ra­da e é “deposi­ta­do na crista de um pico mais alto que o da Nebli­na”? Isso para não falar de par­tidos basea­d­os em cores, home­ns sem cabeça que delib­er­am sem delib­er­ar e o cômi­co no trági­co, em situ­ações para lá de sur­reais, onde o plausív­el reside na von­tade do autor em con­ce­bê-lo assim.

A poéti­ca se mis­tu­ra ao real­is­mo, fazen­do ess­es “con­tos de bol­so”, como dizia o próprio autor, serem mais do que nar­ra­ti­vas sin­téti­cas; eles são, na ver­dade, mate­r­i­al de con­sul­ta em um mun­do em que as certezas já vivem no lim­ite do absur­do. Como nos lem­bra Noe­mi Jaffe no pos­fá­cio que assi­na na recente edição, “o que soa como irre­al não pode­ria ser mais plausív­el diante do absur­do que teste­munhamos todos os dias”. Ideia que foi se imis­cuin­do na obra de Car­los Drum­mond de Andrade e no seu “des­en­can­to com o esta­b­ele­ci­do”, preferindo par­tir em bus­ca da liber­dade e da ação, mas sem faz­er alardes.

Drummond em sua casa por ocasião da homenagem aos seus 80 anos

Drum­mond em sua casa por ocasião da hom­e­nagem aos seus 80 anos

Nos con­tos “A vol­ta das cabeças” e “Incên­dio”, a lem­brança de Macha­do de Assis nos assalta instan­ta­nea­mente, reme­tendo ao antológi­co “Teo­ria do Medal­hão” e pela hom­e­nagem sin­gela fei­ta por meio da tran­scrição do iní­cio do con­to “Mis­sa do Galo”, respec­ti­va­mente. A fina essên­cia da iro­nia, car­ac­terís­ti­ca da obra macha­di­ana, tam­bém encon­tra espaço na prosa-fic­cional-poéti­ca de Drum­mond. Não há como deixar de rir – e pen­sar – com per­son­agens de com­por­ta­men­tos ou aparên­cias tão atípi­cos, mas que camu­flam o que real­mente querem rev­e­lar, como o diver­tidís­si­mo “Casa­men­to por Cin­co Anos”, “A Vol­ta do Guer­reiro” “Aque­le Casal” e o atu­al “A Ter­ra do Índio”. São mais de cem con­tos que trazem nos próprios títu­los o ele­men­to sur­pre­sa, onde o irre­al­izáv­el encon­tra mais ressonân­cia neste mun­do do que real­mente supo­mos. A obra drum­mon­di­ana nos per­mite fechar os olhos e dormir, mes­mo que os “ombros con­tin­uem supor­tan­do o mundo”.


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