Os Miseráveis | Crítica

Os Mis­eráveis, de Tom Hop­per merece destaque pela ousa­dia de adap­tação e direção de arte.

osmiseráveis-posterMusi­cais sem­pre divi­dem o públi­co de cin­e­ma, ain­da mais se tratan­do do cin­e­ma con­tem­porâ­neo que preza em man­ter o foco na ação e diál­o­gos. Os Mis­eráveis (Les Mis­érables, Reino Unido, 2012) de Tom Hoop­er, já chegou queren­do realizar duas grandes façan­has, primeiro a de adap­tar um cânone de cin­co vol­umes do roman­tismo francês e segun­do o de trans­por um musi­cal de teatro para a nar­ra­ti­va cinematográfica.

Os Mis­eráveis se pas­sa em um perío­do del­i­ca­do na políti­ca e na sociedade france­sa do sécu­lo XIX. Em 1815 acon­tece a Batal­ha de Water­loo, con­heci­da pela que­da de Napoleão Bona­parte e do retorno da Monar­quia. É nesse cli­ma de descrença e retorno das repressões que o pro­tag­o­nista Jean Val­jean, um homem con­de­na­do à prisão por roubar um pão para ali­men­tar o sobrin­ho, é apre­sen­ta­do. Se hoje um homem pobre é con­de­na­do por esse mes­mo ato, imag­ine a situ­ação no sécu­lo XIX numa França eco­nomi­ca­mente arrasa­da e porém imer­sa nos moral­is­mos monarquistas.

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A óti­ma car­ac­ter­i­za­ção dos motins de 1832

Jean Val­jean é o homem feri­do pela injustiça, após 19 anos encar­cer­a­do em regime de escravidão é joga­do à liber­dade em uma sociedade que exclui qual­quer um que vá para a prisão. A tra­jetória do homem, que dura cer­ca de 17 anos indo até os momen­tos cru­ci­ais dos motins de jun­ho de 1832, é mar­ca­da por escol­has, nem sem­pre politi­ca­mente cor­re­tas mas car­regadas de redenção. Val­jean ten­ta sem­pre ser o opos­to do que cobram as leis da época, exager­adas e que priv­i­le­giam ape­nas os grandes. Ao pas­so que ten­ta ser o “bom cristão”, Val­jean enx­er­ga niti­da­mente as des­graças que o povo francês vivia por con­ta das leis monárquicas e ten­ta aci­ma de tudo ser um humanista.

As adap­tações de livros para as telas sem­pre cor­rem o risco de não atin­girem toda a nar­ra­ti­va e con­stru­irem um enre­do alheio à for­ma que os escritores o fazem. E não é difer­ente com uma obra de mais de mil pági­nas que tra­ta rica­mente dos seus per­son­agens como é o caso de Os Mis­eráveis, de Vic­tor Hugo. No lon­ga, o espec­ta­dor é lev­a­do a já saber o mote da história e de com­preen­der os vários nuances das relações entre Val­jean, Cosette, Fan­tine e todos os out­ros per­son­agens que com­põem a obra, pois várias situ­ações ape­nas acon­te­cem sem as suas causas prévias.

Como o lon­ga foi basea­do no musi­cal de teatro dos anos 80, de Claude-Michel Schön­berg, Alain Bou­blil e Her­bert Kret­zmer, ele con­ta ape­nas com dois grandes atos onde muitos even­tos do livro são livre­mente adap­ta­dos para dar maior veloci­dade à peça de quase três horas.

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O filme abre com uma cena emocionante

O lon­ga abre com uma cena extrema­mente bela e grandiosa de Jean Val­jean (Hugh Jack­man) e out­ros pre­sos puxan­do um navio. A cena é digna de espetácu­lo, uma obra de arte impecáv­el mostran­do jus­ta­mente a que veio. Aliás, Os Mis­eráveis é um tipo de filme para ser grandioso como espetácu­lo, a direção de arte chega exager­ar por exem­p­lo com os dentes dos per­son­agens — os clos­es nas bocas são bem exager­a­dos — visivel­mente estragados.

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A comi­ti­va do impiedoso Javert

Claro que há a neces­si­dade de se con­tex­tu­alizar a história que se pas­sa em um momen­to bas­tante críti­co da história da França. As pes­soas mor­rem de doenças, ven­dem seus dentes e cabe­los para poder com­prar pão e Vic­tor Hugo retra­ta essa dor até que o leitor sin­ta na sua pele. Mas aqui tudo fica explici­ta­mente artís­ti­co, inclu­sive a sujeira e a tris­teza. Mas claro que se deve levar em con­ta que o lon­ga é um musi­cal e car­rega todas as car­ac­terís­ti­cas do gênero. Muitos clos­es pro­lon­ga­dos nos ros­tos dos per­son­agens can­tan­do, cenários ora bas­tante escuros, ora con­trastantes com foco no tra­bal­ho de direção de arte, visivel­mente inspi­ra­da nos pin­tores do sécu­lo 19, e a con­strução do roteiro em for­ma­to musi­cal com muitas canções cati­vantes — preste atenção na músi­ca Do You Hear the Peo­ple Sing? que ini­cia a fase dos motins — são ele­men­tos muito bem executados.

O elen­co é bas­tante inter­es­sante e con­segue dar con­ta de can­tar, ain­da mais levan­do em con­ta que o dire­tor exigiu que não hou­vessem play­backs, ou seja, todos can­tavam enquan­to atu­avam e ouvi­am um pianista através de um pon­to audi­ti­vo. Hugh Jack­man demon­stra uma cer­ta fal­ta de rit­mo em alguns momen­tos mas sua car­ac­ter­i­za­ção como Val­jean, prin­ci­pal­mente na primeira parte, é muito forte. Anne Hath­away se sai muito bem, é uma Fan­tine com cenas muito boni­tas. Já Aman­da Seyfried como Cosette e Rus­sel Crowe como Javert não segu­ram muito bem seus papéis, soan­do bas­tante fal­sos, a primeira que há vários filmes não me con­vence muito, sem­pre pare­cen­do uma ado­les­cente inse­gu­ra e Crowe, ape­sar de ser um óti­mo ator, não chega aos pés da mal­dade de Javert. Hele­na Bon­ham Carter e Sasha Baron Cohen são os malan­dros Thenardiers, com uma estéti­ca muito pare­ci­da com os seus papéis no tam­bém musi­cal Sweeney Todd, de Tim Bur­ton. Mas um dos grandes destaques do time de atores é o pequeno Daniel Hut­tle­stone como Gavroche, o pequeno meni­no de rua que tem uma enorme rep­re­sen­tação dramáti­ca nas cenas do motim.

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Anne Hath­away como Fantine

Os Mis­eráveis merece destaque pela ousa­dia de Tom Hop­per de adap­tar cin­e­matografi­ca­mente um musi­cal que por si só já tem suas com­plex­i­dades. É um lon­ga que tra­bal­ha com a emoção do espec­ta­dor e quan­do vis­to de uma tela como a do IMAX con­segue cumprir seu papel, já que musi­cais requerem uma dis­posição do públi­co e tam­bém da neces­si­dade dos enre­dos soarem mais próx­i­mos do públi­co. Mas por out­ro lado ain­da ten­ho min­has dúvi­das se esse é um filme que vai per­manecer no imag­inário como uma grande adap­tação. Res­ta acred­i­tar que o espec­ta­dor sin­ta-se toca­do a ler o livro que provavel­mente vai deixá-lo ain­da mais impres­sion­a­do com os per­son­agens e esse forte momen­to histórico.

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