Por um Cinema plural: Entrevista com Coletivo Diagonal

Por que não inve­stir no cin­e­ma plural?

O Ban­di­do da Luz Ver­mel­ha (1968), de Sganzerla

Cenas mar­cadas por anti-heróis, per­son­agens mar­gin­al­iza­dos cir­cu­lan­do em peque­nas jan­gadas à deri­va dos padrões soci­ais. Ideias lib­ertárias, onde a tra­ma acon­tece nos basti­dores, e não em cima dos holo­fotes e pirotec­nias dos pal­cos. Nasci­do no Brasil logo depois do golpe mil­i­tar (1964 – 1985), o Cin­e­ma Mar­gin­al veio ao mun­do para trans­gredir, para falar e mostrar coisas que as pes­soas não que­ri­am ouvir, já que o “cin­e­ma do sub­mun­do” não tin­ha como mis­são con­fundir ale­gria com delírio; ide­olo­gia com jabás. O Ban­di­do da Luz Ver­mel­ha (1968 — direção de Rogério Sganz­er­la) veio ousar, ino­var, trans­for­mar a lin­guagem cin­e­matográ­fi­ca. Quase cinquen­ta anos – e muitas mudanças — depois do surg­i­men­to do Cin­e­ma Mar­gin­al, o Brasil enfrenta o dile­ma de faz­er o públi­co bus­car e con­hecer, por von­tade própria, mais ini­cia­ti­vas que surgem fora das pur­puri­nas e con­fetes das grandes pro­duções cin­e­matográ­fi­cas. Com uma câmera e tripé, ou até mes­mo só com o apar­el­ho celu­lar, muitos video­mak­ers estão fazen­do do amadoris­mo um espaço de ren­o­vação e descober­ta de tal­en­tos. Na cap­i­tal do Piauí, esta­do que cir­cu­la fora do eixo da indús­tria cin­e­matográ­fi­ca do país, o pro­je­to Cole­ti­vo Diag­o­nal, encabeça­do pelo casal Aris­tides Oliveira e Meire Fer­nan­des, vem gan­han­do espaço e traçan­do novas rotas para a pro­dução audio­vi­su­al. Ao invés de queixas e súpli­cas aos órgãos gov­er­na­men­tais, uma ação con­jun­ta que procu­ra super­ar lacu­nas e pular abis­mos. O inter­ro­gAção con­ver­sou com o his­to­ri­ador e video­mak­er Aris­tides Oliveira e aden­trou um pouco no ter­reno da pro­dução inde­pen­dente dos poet­as visuais. 

Quais os primeiros pas­sos para inau­gu­rar um cir­cuito alter­na­ti­vo de audio­vi­su­al em um lugar sem uma rota defini­da, sem tradição?

Meire Fer­nan­des e Aris­tides Oliveira, por Dalyne Barbosa

Através de um breve panora­ma históri­co em Teresina, podemos diz­er que já acon­te­ce­r­am cir­cuitos audio­vi­suais por aqui, mas de for­ma frag­men­tária, a par­tir de vagos incen­tivos da esfera públi­ca munic­i­pal e estad­ual, des­de os fes­ti­vais de super‑8 que rolaram nos anos 80 até a cri­ação do FESTVIDEO, na déca­da de 90, que ficou para­do por dois anos, mas, aos poucos, recu­pera a con­fi­ança do públi­co. Não temos pro­dução audio­vi­su­al sól­i­da, ape­nas alguns pon­tos iso­la­dos, tra­bal­han­do em espaços fecha­dos, que nos difi­cul­tam tomar con­hec­i­men­to sobre onde assi­s­tir tais filmes.

O que pre­dom­i­na na cidade — em ter­mos de filmes locais — são pro­duções insti­tu­cionais, amado­ras, exper­i­men­tais, mas isso não sig­nifi­ca que “amador” seja algo de “baixa qual­i­dade”. Mes­mo saben­do que a maio­r­ia dos filmes perde um pouco na téc­ni­ca, esse exer­cí­cio já é um bom começo. Erran­do aqui e ali, a gente vai amadure­cen­do, crian­do e fazen­do, já que os “cineas­tas profis­sion­ais” não dão as caras para for­t­ale­cer e incen­ti­var os “ini­ciantes”. Enquan­to isso, inde­pen­dente de qual­quer tit­u­lação, vamos sendo ‘cineachas’, em bus­ca de espaço em salas peque­nas, mas com estil­haços de uma mino­ria valiosa.

Não acred­i­to na per­spec­ti­va de esta­mos inau­gu­ran­do cir­cuito alter­na­ti­vo, ape­nas dan­do con­tinuidade as ausên­cias, a fal­ta de inter­esse dos gestores cul­tur­ais, lem­bran­do que eles são pagos para isso, em dar fôlego à políti­ca de for­mação e plateia para o cin­e­ma brasileiro. Esta­mos ape­nas exibindo — na medi­da do pos­sív­el — filmes de artis­tas sem “diplo­ma”, fora da can­on­iza­ção e estrelis­mo do cin­e­ma ofi­cial, ape­nas ali­men­tan­do os espaços que dev­e­ri­am ter filmes exibidos. Vale lem­brar que não esta­mos soz­in­hos nis­so, pois temos o Cineclube “Olho Mági­co”, que vem fazen­do um belo tra­bal­ho na for­mação de plateia, lá na Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Piauí.

Con­sideran­do o ‘pan­cadão’ de audá­cia e cor­agem que é necessário para man­ter um pro­je­to de pro­dução e divul­gação de audio­vi­su­al em Teresina, o Cole­ti­vo Diag­o­nal é uma pro­pos­ta de movi­men­tação, trans­gressão ou subversão?

Total movi­men­tação, para chamar a galera e jun­tos, assi­s­tir­mos a bons filmes.

No seu surg­i­men­to, o cin­e­ma mar­gin­al é mar­ca­do por con­tes­tação, ideias lib­ertárias, figu­ra do anti-herói e sub­mun­do. O que car­ac­ter­i­za o cin­e­ma mar­gin­al hoje? A propósi­to, o ter­mo ‘mar­gin­al’ ain­da é válido?

Debate na I Mostra de Cin­e­ma Mar­gin­al, em 2007

Acred­i­to que existe um cin­e­ma mar­gin­al­iza­do, por opção. Quem quis­er ficar escon­di­do na sua excen­t­ri­ci­dade, autoex­clusão poéti­ca, tam­bém tem vaga. Ora, na con­jun­tu­ra em que nos encon­tramos, com tan­tos youtubes, vimeos, redes soci­ais pul­san­do nos­sos olhos, porque tornar-se um mar­gin­al? Com tan­tas platafor­mas de exibição gra­tu­itas, espaços de divul­gação, fóruns online, não faz sen­ti­do afir­mar que exista um “cin­e­ma mar­gin­al” (a não ser se a per­spec­ti­va do artista estiv­er lig­a­da a temáti­cas e estéti­cas inspi­radas no under­ground amer­i­cano ou no udi­gru­di brasileiro, aí é out­ro papo). Talvez não façamos parte do altar da Globo Filmes, mas se existe TV Brasil (com a aber­tu­ra esta­b­ele­ci­da entre cur­tame­trag­is­tas e o pro­gra­ma Cur­ta TV), Mostra do Filme Livre, no RJ, que pos­si­bili­ta uma ampla divul­gação dos filmes não-com­er­ci­ais a nív­el nacional, entre out­ras mostras mar­avil­hosas pelo país, bem como a pos­si­bil­i­dade de cri­ação dos cole­tivos audio­vi­suais, mar­gin­alizar o quê? Para quê?

Aris­tides, você sem­pre crit­i­ca a pos­tu­ra da acad­e­mia e dos pesquisadores por “seques­trarem” grande parte do acer­vo cin­e­matográ­fi­co pro­duzi­do na déca­da de 1970 e “engavetarem em depar­ta­men­tos”. Por que você acha que isso acon­tece, se o DEVER da uni­ver­si­dade é (ou seria, em tese) democ­ra­ti­zar o con­hec­i­men­to e pos­si­bil­i­tar aces­so livre?

A críti­ca que faço a respeito desse pon­to é porque pre­cisamos democ­ra­ti­zar o aces­so dos filmes lev­an­ta­dos em pesquisas acadêmi­cas para um públi­co mais amp­lo, que se encon­tra dis­tan­ci­a­do dos debates real­iza­dos por trás dos muros da uni­ver­si­dade. Filmes raros ficam pre­sos nas pági­nas de arti­gos lidos entre os próprios pesquisadores, e o que ven­ho ten­tan­do faz­er pelo Cole­ti­vo Diag­o­nal é algo sim­ples: que os filmes brasileiros não-com­er­ci­ais sejam vis­tos pela comu­nidade não-acadêmi­ca, através da real­iza­ção de mostras de cin­e­ma, cine-debates, encon­tros, entre outros.

Vestir nos­sas cri­anças de Super-Man, ou pin­tá-las de verde igual ao Hulk? Ensi­nar nos­sos fil­hos a usar a tele­visão aprovei­tan­do seus poten­ci­ais de crit­i­ci­dade, ou entupir os olhos de filmes pirotéc­ni­cos? Por que não inve­stir no cin­e­ma plur­al? Assim, ter­e­mos a opor­tu­nidade de escol­her os anzóis pelos quais dese­jamos ser capturados.

No últi­mo ano, o Cole­ti­vo Diag­o­nal trouxe para Teresina impor­tantes parce­rias com mineiros (Pajé Filmes) e per­nam­bu­canos. Hoje, o cin­e­ma mar­gin­al pre­cisa chegar ao públi­co ou é o públi­co que pre­cisa desco­brir o cin­e­ma fora dos grandes circuitos?

Reto­mo e insis­to no ter­mo “mar­gin­al­iza­do”. Acred­i­to que o tra­bal­ho de gru­pos como a “Pajé Filmes”, bem como dos novos per­nam­bu­canos que apare­cem na cena audio­vi­su­al brasileira, não se encon­tram afas­ta­dos do públi­co. É o públi­co, na sua maio­r­ia, que não apre­sen­ta o mín­i­mo inter­esse em con­hecer essas pro­duções. Saiu na “Fol­ha de São Paulo” hoje (20/12/12) o resul­ta­do de uma pesquisa que afir­ma o seguinte: “Enquan­to mais de 60 filmes brasileiros aguardam para estrear nos cin­e­mas, 61% das salas do país exibem hoje estrangeiros como “O Hob­bit” ou a últi­ma parte da saga “Crepús­cu­lo”. Já a pro­dução nacional que estre­ou neste ano viu sua fatia de públi­co cair 31,8% —de 13,5% para 9,2% — em relação a 2011”. E aí? Dados como esse se repetem des­de a fase da retoma­da, lá nos idos de 1992 (já dizia Hugo Car­vana, em diál­o­go cru­cial com Nag­ib), onde nos­sos filmes – lon­gas -, mes­mo com o boom das leis de incen­ti­vo, cochicham, enquan­to os filmes ian­ques gri­tam nas salas de cin­e­ma. O espec­ta­dor brasileiro não foi edu­ca­do a assi­s­tir seus filmes. 

Mostra Pajé Filmes, na Casa da Cul­tura — PI, por Meire Fernandes

Retoman­do as provo­cações de Glauber Rocha no “Aber­tu­ra”, imag­i­no que sua voz ain­da ecoa neste debate. Vestir nos­sas cri­anças de Super-Man, ou pin­tá-las de verde igual ao Hulk? Ensi­nar nos­sos fil­hos a usar a tele­visão aprovei­tan­do seus poten­ci­ais de crit­i­ci­dade, ou entupir os olhos de filmes pirotéc­ni­cos? Por que não inve­stir no cin­e­ma plur­al? Assim, ter­e­mos a opor­tu­nidade de escol­her os anzóis pelos quais dese­jamos ser cap­tura­dos. Enquan­to não hou­ver uma séria coor­de­na­da políti­ca em torno da dis­tribuição de filmes nacionais nas salas de cin­e­ma, estare­mos longe de uma mudança. Leopol­do Nunes (Sec­re­taria do Audio­vi­su­al do MinC) está tra­man­do coisa boa por aí, ref­er­ente ao aces­so dessas obras. O públi­co pre­cisa sair do seden­taris­mo e procu­rar novos cir­cuitos, assim como os cir­cuitos pre­cisam tra­bal­har para con­quis­tar esse públi­co, é um jogo, um jogo duro, a ser con­quis­ta­do em lon­go prazo.

Que tipo de pro­duções vocês recebem e divul­gam? O tra­bal­ho do Cole­ti­vo tem uma pos­tu­ra políti­ca e ideológica?

Recebe­mos todos os tipos de filmes, nos mais vari­a­dos for­matos (web-cam, máquina fotográ­fi­ca, hand­cam), onde bus­camos dialog­ar com videoartis­tas do Brasil inter­es­sa­dos em expor seus tra­bal­hos livre­mente, para quem quis­er ver. Não sei se “lev­an­ta­mos ban­deira”, mas como não agir no cotid­i­ano sem sen­so políti­co não é?

As novas mídias trans­for­maram a lin­guagem cin­e­matográ­fi­ca e “sopram ven­to na cal­maria”, mod­i­f­i­can­do o con­sumo de arte con­tem­porânea e desmisti­f­i­can­do o cin­e­ma hol­ly­wood­i­ano, onde se procu­ra a ven­da, o mar­ket­ing e a práti­ca de vas­cul­har o fun­do dos bol­sos do públi­co, que vira mero con­sum­i­dor. Quais as prin­ci­pais mudanças você tem obser­va­do no com­por­ta­men­to do públi­co pro­du­tor e con­sum­i­dor da séti­ma arte?

Acho que uma peque­na parcela do públi­co está bus­can­do novi­dades, mes­mo que sejam as “vel­has novi­dades”. Essa ação micro pode ger­ar algo macro, que é a exigên­cia por filmes mais inteligentes nas salas de cin­e­ma convencionais.

Em Teresina, o Cole­ti­vo Diag­o­nal é um pro­je­to pio­neiro. A ideia de ser exem­p­lo é desconfortável?

Primeira for­mação do Cole­ti­vo Diag­o­nal, 2007–2008

Real­mente não sei se existe por aqui algum grupo com esse tipo de ação (o Cine Clube Olho Mági­co pen­sa pare­ci­do com a gente), mas o que impor­ta é faz­er, sem mar­cos, delim­i­tações ou troféus. O que quer­e­mos é um data-show, tela de pro­jeção, apar­el­ho de DVD e gente… Gente para com­par­til­har de pais­agens não explo­radas. Quer­e­mos artic­u­lar novos meios de exibição audio­vi­su­al, con­for­t­avel­mente, é claro.

Você se con­sid­era um video­mak­er à deri­va ou existe suporte sufi­ciente? A práti­ca do ‘faça você mes­mo’, con­heci­do mun­do à fora como ‘do it your­self’, viran­do até palavra de ordem para o sis­tema anárquico-rev­olu­cionário, é o úni­co motor do audio­vi­su­al independente?

Sou amador, um pro­fes­sor que acred­i­ta no poder do cin­e­ma. Sou amador, ou aque­le que ama a liber­dade de expressão, mes­mo capen­ga, com ruí­dos, mas que acon­tece, na pul­são da urgên­cia e da autocríti­ca. Quem nos deixa à deri­va ou em ter­ra firme é o públi­co. Somos inde­pen­dentes na medi­da em que ninguém limi­ta seu proces­so cria­ti­vo. Faça, crie, deixe a críti­ca falar, traçar uma diag­o­nal nas para­le­las é o mel­hor motor inven­ti­vo que temos. 

Que out­ros pro­je­tos semel­hantes ao Cole­ti­vo Diag­o­nal exis­tem no Brasil?

Pela plu­ral­i­dade e democ­ra­ti­za­ção das mídias eu chamo a Pajé Filmes (MG) e Angu TV (RJ) para a roda.

Aris­tides, encer­ramos a entre­vista mostran­do seu habitat:

Um filme para ser assis­ti­do em nasci­men­tos: Sub­con­scius Cruelty.
Um filme para ser assis­ti­do em funerais: Jack­ass.
Um livro: Ao Farol, Vir­ginia Woolf.
Uma músi­ca: Qual­quer uma de Neil Young.
Uma imagem: Atual­mente, a últi­ma cena de Red Belt.

No tum­blr do Cole­ti­vo Diag­o­nal você encon­tra mais infor­mações, tex­tos, arti­gos e out­ros tra­bal­hos de videomakers.

Assista algu­mas pro­duções de Aris­tides:

Tra­bal­ho de Aris­tides e Meire

Tra­bal­ho de Meire Fer­nan­des:


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