Crítica: Circular

Os roteiros com múlti­plas nar­ra­ti­vas (mais con­heci­dos como mul­ti­plots) há algum tem­po tem espaço garan­ti­do no cin­e­ma con­tem­porâ­neo. Cineas­tas — ali­a­dos à grandes roteiris­tas — como Ale­jan­dro Gon­za­lez Iñár­ritu, Woody Allen e recen­te­mente Fer­nan­do Meirelles, mostraram inter­ess­es fortes em con­stru­ir essa car­ac­terís­ti­ca de conexão bem típi­cas dess­es tem­pos ditos pós-mod­er­nos. Vive­mos aglom­er­a­dos em cidades e mes­mo que não pense­mos muito sobre a nos­sa lig­ação com o out­ro, sem­pre haverão os momen­tos onde várias histórias se encon­tram em um úni­co lugar e um ônibus cole­ti­vo pode ser um inter­es­sante pon­to de con­vergên­cia para que essas vidas se relacionem.

O lon­ga curitibano Cir­cu­lar (2012), dirigi­do a cin­co mãos pela Proces­so Mul­ti­artes de Curiti­ba, ten­ta usar como pro­pos­ta jus­ta­mente esse pon­to de con­vergên­cia de um ônibus que cir­cu­la na cap­i­tal. Cin­co pes­soas são as peças que podem cul­mi­nar em algum momen­to um cli­max onde as vidas, por mais dis­pares que sejam, invari­avel­mente irão se encontrar. 

Cir­cu­lar ten­ta faz­er uma car­i­catu­ra das inúmeras iden­ti­dades que se encon­tram den­tro de um ônibus cole­ti­vo durante um dia comum, em um deter­mi­na­do itin­erário. O filme usa a cidade de Curiti­ba sem car­ac­ter­izá-la com os míti­cos slo­gans turís­ti­cos e reside aí um pon­to pos­i­ti­vo. Mas os cin­co roteiros jun­tos não trazem nen­hum tipo de nar­ra­ti­va sól­i­da, nen­hu­ma potên­cia no enre­do que pos­sa sus­ten­tar a história con­ta­da. Os roteiros se des­fazem através de vários sen­sos comuns expos­tos nos per­son­agens. As cin­co histórias ten­tam man­ter o rit­mo de vidas sobre o lim­ite do dia a dia. Um evangéli­co, uma artista plás­ti­ca, um grupo punk, um pai deses­per­a­do e um cobrador de ônibus com uma vida dual, ten­tam car­regar o roteiro de Cir­cu­lar, mas mal con­seguem sus­ten­tar as suas próprias iden­ti­dades paralelas.

O filme con­ta com um elen­co de atores e artis­tas con­heci­dos do meio artís­ti­co na cidade, o que não quer diz­er que as atu­ações pos­sam repas­sar a solidez que os atores cos­tu­mam ter no pal­co. Levan­do muito do teatral para as cenas, as inter­pre­tações soam em boa parte dos momen­tos extrema­mente arti­fi­ci­ais, cheias de exageros na lin­guagem, fig­uri­no e fal­ta de entrosa­men­to entre si e com os próprios roteiros. O grupo punk Gen­gi­vas Podres por exem­p­lo, parece ter saí­do de um pas­tiche de algum filme dos anos 80 e já que Cir­cu­lar ten­ta ser um filme que foca um cer­to real­is­mo, o grupo nem se aprox­i­ma dos ban­dos que encon­tramos per­am­bu­lan­do pela rua XV de novem­bro, em Curiti­ba. Assim como os out­ros per­son­agens que pas­sam uma impressão de super­fi­cial­i­dade, inclu­sive a vetarana Letí­cia Sabatel­la ficou bas­tante mal aproveita­da, gan­han­do cer­to destaque ape­nas num dado momen­to em que ela é pro­tag­o­nista de um monól­o­go sobre arte con­tem­porânea e o sen­ti­do des­ta, que tam­bém cai num dis­cur­so exis­ten­cial e cla­ma em favor do artista Vik Muniz.

Aliás, é durante esse monól­o­go pro­tag­on­i­za­do por Sabatel­la que nota-se alguns bons acer­tos na mon­tagem do filme tra­bal­han­do com algu­mas edições fast cut­ting, dan­do um rit­mo inter­es­sante para esse tre­cho. Alguns momen­tos entre as nar­ra­ti­vas são colo­ca­dos sobre ângu­los inter­es­santes, explo­ran­do a frag­ili­dade dos per­son­agens quan­to às suas iden­ti­dades, mas infe­liz­mente, o lon­ga em ger­al não con­segue solid­i­ficar um pon­to de encon­tro entre as histórias dos per­son­agens que pudesse ger­ar um argu­men­to mais sus­ten­táv­el que jus­ti­fi­cas­se o mul­ti­plot den­tro desse con­tex­to urbano.

O cin­e­ma nacional tem vivi­do bons momen­tos, ape­sar dos reforços em cin­e­ma de entreten­i­men­to, e tem poten­cial para ousar e tra­bal­har em esti­los mais próprios e con­stru­ir uma iden­ti­dade forte. Fal­tou em Cir­cu­lar uma pega­da mais autoral, mais con­sistên­cia nos roteiros para que as pon­tas soltas entre as nar­ra­ti­vas pudessem se somar ao con­tex­to ger­al. E ain­da, vale lem­brar que mes­mo que cin­e­ma pos­sa dialog­ar com o teatro, quais­quer exageros em fig­uri­no e inter­pre­tação podem levar por ter­ra um roteiro com boas intenções. 

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Dossiê Daniel Piza
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