Você gosta de poesia? E de música? Já pensou em juntar os dois? Poemas para ouvir. Viajar e poder levar poemas no seu iPod. Um poema como trilha sonora de sua vida. Parece uma ideia um tanto quanto esquisita. Não para Marília Garcia. Ela nasceu no Rio de Janeiro em 29 de novembro de 1979, é escritora, tradutora e editora brasileira. Já publicou os livros Encontro às cegas (Editora Moby Dick, 2001) e 20 poemas para o seu walkman (Cosac Naify & 7Letras, 2007).
Em seu livro — 20 poemas para o seu walkman- Marília Garcia apresenta uma poesia repleta de características marcantes, perceptíveis através da leitura dos poemas, sendo a principal o não uso das rimas, por se tratar de poesia do presente. Essas características instigam a curiosidade no leitor e despertam as mais variadas sensações e emoções, o que se torna possível com a utilização das figuras de linguagem, principalmente a sinestesia.
Há também a forte presença da relação entre tempo e espaço; a presença de personagens, fictícios ou não; o pouco uso da pontuação, a produção de imagens; uso de cores e também, o grande uso de estrangeirismos, presentes na maioria dos poemas da escritora. Então, surge a grande pergunta: por que o título do livro é 20 poemas para o seu walkman?
O termo Walkman, do inglês, representa a ideia de “caminhar”. Seria essa a intenção dos criadores do aparelho que foi utilizado para se referir a aparelhos portáteis similares de reprodução de áudio. Com sua chegada, costuma-se dizer que mudaram os hábitos musicais, uma vez que cada pessoa podia carregar e ouvir seus sons preferidos e, principalmente, sem incomodar outras pessoas. O walkman, evoluiu para mp3, mp4, iPod etc.
Mas por que um “walkman”?
Talvez, porque, como a própria autora, Marília Garcia, afirmou em entrevista — em 2007 — que “a poesia escapa à música”, podendo ser entendida de várias formas:
“Ela (a poesia) pode ser entendida de diversas formas, como um som para tocar em seu walkman ou como uma cena cinematográfica narrada. Acho que o poema é aquilo que escapa à literatura, escapa à música, escapa ao cinema, escapa às coisas definíveis, mas que se relaciona o tempo todo com elas, buscando experimentar e criar novas formas.”
20 poemas para o seu walkman divide-se em quatro partes: Perguntas sobre a diferença entre, Le pays n’est pás La carte, Encontro às cegas (escala industrial) e Algo que se esquiva. Curiosamente, o livro não apresenta 20 poemas e sim 45. 20 poemas para o seu walkman é o título de um deles.
Poesia do Presente
Marília Garcia, juntamente com alguns outros escritores, como Angélica Freitas e Ricardo Domeneck, é considerada escritora do presente. Mas o que significa isso? Escritores do presente?
Segundo a professora e pesquisadora Susana Scramim, os “escritores do presente” não são necessariamente contemporâneos. Mas estes possuem um pensamento comum acerca do literário. A autora destaca que:
A literatura do presente que envolve uma noção muito maior do que a noção de contemporâneo é aquela que assume o risco inclusive de deixar de ser literatura, ou ainda, de fazer com que a literatura se coloque num lugar de passagem entre os discursos, entre os lugares originários da poesia, e que não devem ser confundidos com o espaço, com a circunscrição de um território para a literatura. Escrever literatura do presente hoje tem função de fazer coincidirem duas coisas que a modernidade esgotou há muito: a possibilidade do conhecimento e da experiência.
A Poesia do Presente, então, “brinca” com o leitor, pois o induz a produzir imagens, decifrar códigos e buscar respostas para seus questionamentos. A partir da leitura dos poemas de Marília Garcia imagens também são produzidas. Destaca-se os lugares, línguas e pessoas.
20 poemas para o seu walkman
I.
um dos primeiros dias
do ano, francesc subia a notre – dame
‑de-lorette atrás de jacques roubaud
e sentava no café gioconda de frente
para uma sacola com um
gato dentro.
um dos primeiros
dias de outono,não parecia seguro
ficar ali – como a beira do barco
escorregadia e do outro lado
tudo era um quarto com terraço
as ruas crescendo ao redor a estação
de trem com mato cobrindo as
linhas e ás vezes um mergulho
na água salgada:
ficar boiando
com um walkman e depois olhar para
os pés: — um pouco insulano isso de as
línguas isoladas se misturarem
pouco a pouco e dirigir
na estrada à noite.II.
depois descia as ruas
e queria ficar no carro trancado
segurando um livro.o penhasco
apagava qualquer definição
de coisas, mas quando
se virava
ela já não estava
tomara o barco para casa e dizia
que talvez no verão seguinte mas
só ligava para contar do emprego
de matemática – “quase um objeto
poroso” – sair para um concerto de rock
e preparar variações para uma
vegetariana amável que pinta
de branco o apartamento
antes de ir.III.
um dos primeiros dias
e chegava o cartão da
catalunha, dizia que ficava
mudo em seu metro e noventa
esbarrando nas pessoas e olhava
pra os pés: um tênis azul. se não tivesse
tanta hierarquia ou o que pensaria
(estaria de verde? traria uma pilha
de objetos nas mãos ? teria um
fone de ouvido? e ainda cantaria
em voz alta)
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