Crítica: O Passado

A difi­cul­dade em lidar com um tér­mi­no parece ser iner­ente ao ser humano. Nem sem­pre é fácil aceitar uma nova roti­na, com novos hábitos ou a ausên­cia de alguém, prin­ci­pal­mente em se tratan­do de rela­ciona­men­tos. Partin­do do fim de uma relação e das paranóias que podem sur­gir com isso, O Pas­sa­do (El Pasa­do, Argenti­na, 2007), dirigi­do e adap­ta­do da nov­ela de Alan Pauls por Hec­tor Baben­co, traz uma pelícu­la com um roteiro bem amar­ra­do, boa fotografia e elen­co com inter­es­santes atuações.

Rími­ni (Gael Gar­cia Bernal) e Sofia (Analía Coucey­ro) foram casa­dos durante 12 anos e deci­dem se sep­a­rar. Aos olhos alheios o casal rep­re­sen­ta­va os val­ores de uma relação per­fei­ta, ape­sar de os per­son­agens niti­da­mente, no íni­cio de O Pas­sa­do, se mostrarem dis­tantes e apáti­cos. Deci­di­do a ir emb­o­ra e con­tin­uar sua vida, Rími­ni muda-se, mas é con­stan­te­mente ator­men­tan­do pela pre­sença de Sofia e pelas repet­i­ti­vas patolo­gias de dese­qui­líbrio das out­ras mul­heres que se envolve. O per­son­agem pas­sa a ter uma per­da de memória sele­ti­va, como um meio de auto-defe­sa con­tra a insistên­cia de lem­branças traumáti­cas que Sofia quer impor.

Antes de ser um filme sobre o fim de um rela­ciona­men­to, O Pas­sa­do tra­ta da doença ger­a­da pela fal­ta de amor-próprio e a obsessão soma­da à posse pela qual os amores/relacionamentos bur­gue­ses são trata­dos na sociedade. As mul­heres na vida de Rími­ni são con­stan­te­mente per­tur­badas e inse­guras, uma con­tra­posição ao per­son­agem de Gael Gar­cía que se mostra o tem­po todo anti­ngi­do por essa dom­i­nação exer­ci­da pelas com­pan­heiras e apáti­co em relação a qual­quer sen­ti­men­to e atitude.

Além do roteiro, dois out­ros aspec­tos são fun­da­men­tais e chamam mui­ta atenção no filme: Primeira­mente a qual­i­dade dos per­son­agens que colab­o­ram em muito no proces­so do enre­do. A per­son­agem de Analía Coucey­ro faz jus ao papel de mul­her total­mente transtor­na­da. Os sinais que ela apre­sen­ta são muito semel­hantes aos de uma patolo­gia pro­pri­a­mente dita como obses­si­va-com­pul­si­va. E o segun­do ele­men­to, que traz força ao O Pas­sa­do, são as refer­ên­cias usadas por Baben­co. O próprio cin­e­ma vira ele­men­to na pelícu­la, sendo repeti­do várias vezes como pon­tu­al na vida dos per­son­agens, seja na profis­são de Rim­i­ni como inter­préte e leg­endista, que se vê acoa­do em não enten­der um filme sem leg­en­das por con­ta da per­da de memória, ou ain­da na obsessão de Sofia em idol­a­trar Adele H. de Fraçois Truf­faut.

Essa é a últi­ma pelícu­la de Hec­tor Baben­co, argenti­no nat­u­ral­iza­do brasileiro, que dirigiu tam­bém o pre­mi­a­do Carandiru. O dire­tor é bem ver­sátil em seus tra­bal­hos e soma pon­tos com O Pas­sa­do em torná-lo um filme tam­bém camaleôni­co, assim como seu esti­lo. Esse adje­ti­vo não se ref­ere de for­ma nen­hu­ma a algo car­navale­sco e com várias tro­cas nar­ra­ti­vas. As mudanças aqui se seguem con­forme a neces­si­dade da mente de Rami­ni em mudar o seu pre­sente ten­tan­do mudar o pas­sa­do, cau­san­do ten­ta­ti­vas frustradas já que Sofia guar­da a todo cus­to as fotos dos dois.

O Pas­sado não é o primeiro filme que tra­ta da dependên­cia dos rela­ciona­men­tos afe­tivos, o próprio Adele H. é um clás­si­co que traz a fil­ha do escritor Vic­tor Hugo e a sua per­da de con­t­role face a neces­si­dade de, a qual­quer cus­to, ter o amor do homem dese­ja­do. O primeiro filme que criei uma ponte com este, o qual con­sidero uma obra pri­ma sobre o assun­to tan­to como enre­do, como em téc­ni­cas de fil­magem, foi Time, do sul core­ano Kim Ki-Duk, que tra­ta da inse­gu­rança como tram­polim para ati­tudes impulsivas.

Con­sidero O Pas­sa­do um filme tipi­ca­mente argenti­no, tan­to pela qual­i­dade da nar­ra­ti­va, já tradi­cional nos dire­tores desse país, como na apre­sen­tação de atores descon­heci­dos, como a atriz Analía Coucey­ro. Um filme recomen­da­do para apre­ci­adores de um bom cin­e­ma lati­no. E um avi­so: se você tem tendên­cias obses­si­vas, passe longe!

Out­ra críti­ca interessante:

Trail­er:

httpv://www.youtube.com/watch?v=LTIfjAMFJrc


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