Crítica: Batman — O Cavaleiro das Trevas Ressurge

O mel­hor a faz­er para aproveitar ao máx­i­mo esse filme é se infor­mar o menos pos­sív­el a respeito de sua história. Quan­to menos sou­ber, maiores serão as surpresas.

Não que o últi­mo filme da trilo­gia dirigi­da por Christo­pher Nolan depen­da ape­nas das revi­ra­voltas e rev­e­lações do roteiro. Exis­tem out­ros méri­tos que tor­nam o filme muito atraente. O pre­sente tex­to pre­tende, sem rev­e­lar ele­men­tos do enre­do, jus­ta­mente apon­tar ess­es méritos.

Bat­man: o Cav­aleiro das Trevas Ressurge (The Dark Night Ris­es, USA, 2012) é uma con­tin­u­ação dire­ta de seus ante­ces­sores. Há muitas menções e con­se­quên­cias dos even­tos ocor­ri­dos nos dois filmes ante­ri­ores. Tra­ta-se de uma ver­dadeira con­clusão, como se os três filmes for­massem uma úni­ca história, de modo muito semel­hante a trilo­gias como O Sen­hor dos Anéis e De Vol­ta para o Futuro.

Bat­man é um per­son­agem de histórias em quadrin­hos que há muito tem­po tornou-se um mito da cul­tura pop. Ao lon­go de mais de 70 anos de existên­cia, teve inúmeras abor­da­gens e con­cepções em diver­sas mídias. A série sessen­tista com Adam West, os filmes de Tim Bur­ton, peças de teatro, con­tos literários, mil­hares e mil­hares de pági­nas de quadrinhos.

Mes­mo no uni­ver­so dos quadrin­hos, parece que exis­tem diver­sos “bat­men” difer­entes. O pro­tag­o­nista da famosa história O Cav­aleiro das Trevas, de Frank Miller, é um boca­do difer­ente do Bat­man do final da déca­da de 1950 (que con­tra­ce­na­va com per­son­agens como o Batcão e o Batmirim).

O que Christo­pher Nolan fez em sua trilo­gia foi cri­ar uma nova abor­dagem para o homem morcego. Emb­o­ra ten­ham muitos ele­men­tos e per­son­agens reti­ra­dos dos quadrin­hos, Nolan tomou diver­sas liber­dades na trans­posição e con­strução de seu uni­ver­so fic­tí­cio. Por­tan­to, os fãs podem se diver­tir encon­tran­do as refer­ên­cias e alusões às histórias em quadrin­hos orig­i­nais, mas não há neces­si­dade de ser um leitor famil­iar­iza­do com os quadrin­hos para apre­ciar os filmes.

Um exem­p­lo é o Coringa. A ver­são dos quadrin­hos tem a pele bran­ca e cabe­los verdes alter­ados por um aci­dente quími­co, comete crimes visan­do din­heiro, é um boca­do histriôni­ca e está con­stan­te­mente rindo e tagare­lando piadas. Já no filme, o per­son­agem inter­pre­ta­do por Heath Ledger usa maquiagem, tem cica­trizes em for­ma de um sor­riso, mas não ri o tem­po todo. Comete crimes, mas não pelo din­heiro. Sua ver­dadeira intenção é ten­tar cor­romper as pes­soas, fazê-las pas­sar por cima de seus princí­pios e lim­ites morais.

Nolan vai trans­for­man­do o mate­r­i­al dos quadrin­hos e adaptando‑o para um sis­tema nar­ra­ti­vo onde os per­son­agens gan­ham out­ras dimen­sões e sig­nifi­ca­dos. A intenção é cri­ar uma história de super-herói de uma per­spec­ti­va “real­ista”, mas ain­da assim encon­tramos alguns absur­dos, típi­cos das histórias de super-heróis. Por exem­p­lo, a arma de micro-ondas do primeiro filme ou a recon­sti­tu­ição da bala com impressão dig­i­tal do segundo.

Esse ter­ceiro filme tam­bém apre­sen­ta uma cer­ta quan­ti­dade de absur­do. Entre­tan­to, talvez com a exper­iên­cia adquiri­da no filme A Origem, Nolan trans­for­ma esse absur­do em algo como uma atmos­fera oníri­ca. Em muitos momen­tos Bat­man: O Cav­aleiro das Trevas Ressurge tem um jeito de son­ho. Há uma série de ele­men­tos que acabam gan­han­do um aspec­to sim­bóli­co. São lap­sos de tem­po, cenários e situ­ações que pas­sam um estran­ho cli­ma de irre­al­i­dade ao mes­mo tem­po em que o roteiro despe­ja uma enorme quan­ti­dade de infor­mações e per­son­agens sobre o espectador.

Entre­tan­to, essa sen­sação de irre­al­i­dade é entremea­da por even­tos desagra­dav­el­mente verossímeis. À luz da tragé­dia ocor­ri­da durante a exibição do filme em Den­ver, é muito per­tur­bador ver uma cena em que os vilões tomam de assalto pes­soas em seu local de tra­bal­ho. A rep­re­sen­tação da vio­lên­cia que­bran­do o cotid­i­ano é bru­tal e assustadora.

São diver­sos per­son­agens que vão con­duzin­do a tra­ma, mas sem dúvi­da o grande pro­tag­o­nista é Bruce Wayne (Chris­t­ian Bale). Através dele Nolan tece uma série de con­sid­er­ações sobre cul­pa, respon­s­abil­i­dade, apa­tia, revol­ta, deter­mi­nação e fracasso.

A exem­p­lo do que fez com o Coringa, Nolan tam­bém trans­for­ma Bane (Tom Hardy) em algo muito mais impac­tante na tela do cin­e­ma do que era nas pági­nas de quadrin­hos. Emb­o­ra muito mais ameaçador e poderoso que o Coringa, Bane não tem o mes­mo caris­ma que seu ante­ces­sor. Ain­da assim, isso não com­pro­m­ete o resul­ta­do do filme.

Seli­na Kyle (Anne Hath­away), a Mul­her-Gato, talvez seja a per­son­agem mais fiel à sua ver­são em quadrin­hos: uma ladra esper­ta, caris­máti­ca e com­ple­ta­mente imprevisível.

E ain­da encon­tramos os vel­hos con­heci­dos Lucius Fox (Mor­gan Free­man), Alfred Pen­ny­worth (Michael Kane) e James Gor­don (Gary Old­man), além de novos ros­tos como Miri­am Tate (Mar­i­on Cotil­lard) e o dete­tive John Blake (Joseph Gordon-Levitt).

Christo­pher Nolan orques­tra todo esse pes­soal em meio a um roteiro intrin­ca­do, con­stru­in­do o capí­tu­lo final de sua obra e dan­do a impressão de que tudo tin­ha sido plane­ja­do des­de seu iní­cio, em 2005, com Bat­man Begins.

Por isso é difí­cil com­parar Bat­man: O Cav­aleiro das Trevas Ressurge com os out­ros dois grandes filmes de super-heróis do ano: Os Vin­gadores e O Espetac­u­lar Homem-Aran­ha. Os dois apre­sen­tam um uni­ver­so fic­tí­cio mais leve e sim­ples, cheio de cor e de pos­si­bil­i­dades fab­u­losas, como trans­for­mações físi­cas, voos, super-força. Mas, além dis­so, ess­es filmes são clara­mente pro­je­ta­dos visan­do mer­ca­do e envolvem uma série de profis­sion­ais. O con­t­role que a Warn­er deu a Nolan sobre os rumos da sua trilo­gia de Bat­man con­fer­em aos filmes uma car­ac­terís­ti­ca quase que de tra­bal­ho autoral.

E assim o Bat­man ter­mi­na, mas de uma maneira muito inter­es­sante. Quan­do o filme aca­ba, o que se tem é o fim de um ciclo e a aber­tu­ra de diver­sas pos­si­bil­i­dades que podem ser seguidas. Inclu­sive a de deixar as som­bras para trás e ten­tar aproveitar um pouco a luz que res­ta do dia.

Trail­er:


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Dossiê Daniel Piza
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